São Paulo, sábado, 13 de julho de 1996
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Operadores angustiados do direito

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Marcos Arruda, falando na 15ª Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, lembrou R. Kosellek, ao dizer que o tempo é, para o ser humano, o espaço de sua experiência, aparecendo simultaneamente como horizonte de suas expectativas.
O valor contido nesses conceitos pode ser decomposto em duas partes úteis para me ajudar na tarefa, sempre difícil, de discutir, em termos leigos, o desenvolvimento do direito nos últimos anos do segundo milênio, tentando explicar suas contradições e, pior que isso, as contradições da Justiça. Se o tempo é "espaço da experiência", cada um de nós tem tanto de experiência individual quantos tenham sido nossos anos de vida.
Tomados vários indivíduos com a mesma idade, mas criados em ambientes socioeconômico-culturais diferentes, o espaço ocupado será sempre diversificado. É a primeira explicação para diferenças de opiniões sobre a Justiça oficial e de posição entre operadores jurídicos e não-jurídicos. Afinal, o direito escrito é norma genérica e hipotética, destinada a todos, não obstante a diversidade de suas experiências.
A vida brasileira, a contar de 1950, desenvolveu-se sob quatro Constituições (1946, 1967, 1969 e 1988), sob vários regimes (presidencialismo democrático e semidemocrático, parlamentarismo com um ato adicional, ditadura total com atos institucionais, ditadura relativa e, novamente, presidencialismo democrático).
O subsistema jurídico do ecossistema da vida passou, ao mesmo tempo, por períodos de turbulência, ante a urbanização de curto prazo, cumulado com o desenraizamento provocado pelas mudanças que colheram o Estado despreparado para as enfrentar.
Ao lado desse fenômeno social há outro, mais sério. Fala-se muito na globalização da economia (financeira e consumista), relativamente fácil de compreender. Fala-se menos, e ainda não houve modo de a compreender, na globalização da informação.
A massa de informações, oriunda de numerosíssimas fontes diversificadas, gera o paradoxo de nos colocar em um mundo desinformado, acrítico, talvez antidemocrático, como se disse esta semana na SBPC. A avaliação dos fenômenos sociais sofre distorções, que tornam gravemente insuficiente a atuação dos elementos jurídicos.
Os atores do direito e da Justiça, seus papéis e enredos, sempre estiveram à distância do povo. Na última metade do século foram vitimados pela informação-desinformante, que levou, a seus heterogêneos destinatários, toda sorte de alusões (e ilusões), incapazes de propiciar o juízo crítico de suas deficiências e dos muitos esforços necessários para seu aprimoramento.
Se o tempo futuro é o horizonte de nossa expectativa, a primeira inferência está na impossibilidade de apartar o subsistema jurídico dos demais subsistemas da vida, dos agentes e dos bens. A segunda inferência nega que o direito continue o grande garantidor dos venturosos. O ator-juiz e sua contraparte oficial, o promotor; e o ator-advogado, formado sobre bases romanistas, impedem hoje que o olhar da esperança do povo se alongue no horizonte.
Os operadores do direito e da Justiça terão, neste admirável mundo novo, de aceitar mecanismos uniformes de decisão dos conflitos mais comuns. Em relação aos juízes, que são atores de governo, tarefa angustiante será a de se ajustarem às heterogêneas coletividades em que atuem, integrados, sim, mas independentes, participantes, mas não vinculados a grupos. O tempo para eles, mais até que do que para os outros operadores do direito, está cada vez mais curto. Seu horizonte é o de ontem.

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