São Paulo, sábado, 13 de julho de 1996
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Discriminação contra outras doenças

AYRES DA CUNHA

Precisamos nos distanciar do paternalismo com que se costuma tratar a questão da Aids, que é uma doença infecto-contagiosa como outra qualquer e como tal deve ser entendida e tratada.
Existe toda uma visão apocalíptica que transforma os soropositivos numa espécie de heróis deste final de século. Na realidade, a Aids ocupa hoje o posto que, na Idade Média, correspondeu à peste negra e, no século 19, pertenceu à tuberculose.
Se tivesse sido descoberta uma vacina que curasse a Aids, sua importação deveria ser prioridade absoluta do Ministério da Saúde. Mas as únicas vacinas que existem hoje para essa doença são: informação e prevenção. Essa é a única maneira de desmistificar preconceitos e controlar a expansão do vírus.
Se a importação e distribuição gratuita de medicamentos contra Aids for priorizada, será uma medida discriminatória e ilegítima contra todos os doentes de outras patologias, algumas mais traiçoeiras do que a Aids e igualmente cruéis, como, por exemplo, o câncer, contra o qual não há métodos infalíveis de prevenção. Remédios oncológicos como o Toradol injetável (para dor) e o Salagen (para quimioterapia) também são importados, caros e não existem similares nacionais.
Um outro ponto é que esses medicamentos para aidéticos seriam importados com dinheiro do SUS (Sistema Único de Saúde), o que constitui uma verdadeira aberração, pois temos problemas seriíssimos de saúde pública em nosso país. Em face disso, cabe perguntar: é correto usar as verbas para financiamento da assistência médico-hospitalar, já tão precária, para a importação de remédios somente para aidéticos?
É certo priorizar a importação e distribuição gratuita de drogas como DDI, DDC ou 3TC e inibidores de protease para aidéticos, a um custo médio mensal entre R$ 800 e R$ 1.500, e marginalizar os que necessitam de medicamentos igualmente importados e caríssimos para outros tratamentos, como os oncológicos ou transplantes de órgãos?
Está claro que, tanto no atendimento médico e humanitário ao doente de Aids bem como na sua prevenção, ainda há muito por fazer. Somos favoráveis ao tratamento condigno e a campanhas para educação preventiva. Também somos solidários com os portadores do HIV, mas não podemos admitir que esses sejam tratados com distinção em relação aos demais doentes.
Todos os doentes, sem exceção, têm direitos básicos para a reaquisição da saúde perdida, e não somente os aidéticos. A discriminação ao doente é odiosa, mas não deve ser condenada apenas em relação ao aidético. Todo cidadão merece apoio e tratamento na doença, seja ela qual for.

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