São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Delegacias de SP têm poetas e surfistas

ANDRÉ LOZANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tocar modinhas, escrever boletins de ocorrência rebuscados, trocar moedas antigas aos domingos na praça e pegar onda nos finais de semana são algumas das atividades de policiais que procuram fugir do cotidiano estressante dos distritos policiais de São Paulo.
"Dessa forma a gente se distrai e ajuda a relaxar as pessoas que chegam nervosas na delegacia", diz o delegado João Duran Filho, 49, compositor de modinhas.
Ele se recorda de quando era titular do 4º DP (distrito policial), na Consolação (centro de São Paulo), e fez uma poesia em 20 minutos para confortar uma morena que entrou preocupada na delegacia por ser acusada de calúnia.
"Quando entrei naquela sala/E contigo fui falar/Notei que teus olhos negros/Começaram a marejar/E nas águas dos teus olhos/E na busca do meu amor/Comecei a navegar/Por todo o teu interior/E passando pelos caminhos/Que levam ao teu coração/Lá não pude ancorar/A minha barca da ilusão/Hoje eu estou de volta/Daquela viagem serena/Loucamente apaixonado/Por aquela linda morena", escreveu Duran para a moça, que desde aquele dia telefona todos os anos para o delegado para desejar feliz Natal.
Menos poético e mais "radical", o delegado Luiz Carlos do Carmo, 33, se esquece das capturas e dos indiciamentos realizados durante a semana mergulhando no mar e enfrentado, quando possível, ondas de mais de três metros.
"O surfe combate o estresse com que sou obrigado a conviver durante a semana", conta o delegado Carmo, que já surfou em seis países e ficou em sexto no Campeonato Universitário de Surfe de 1983, em Ubatuba (litoral de São Paulo).
Investipoeta
O investigador José Ademilson da Silva, 39, que diz ter ganho um prêmio de poesia da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, distribui versos para colegas de trabalho, vítimas e até presos.
"Sofro preconceito, mas minha vocação é maior que minha resignação, por isso continuo escrevendo e hoje sou conhecido como o investipoeta", conta Silva.
Já o delegado Sebastião Lopes, do 4º DP (Consolação), pinça os casos que considera mais graves para elaborar boletins de ocorrência em português sofisticado "para homenagear juízes, promotores, advogados e vítimas".
Ele ficou conhecido por insistir em fechar casas noturnas acusadas de facilitar a prostituição.
Manoel Camassa, do Depatri (Departamento de Investigação contra Crimes Patronais), passa as manhãs de domingo em sua banquinha na praça da República (centro) trocando moedas antigas. "A numismática (ciência que estuda as moedas) me satisfaz."

Texto Anterior: Mulher usa batina para pagar promessa
Próximo Texto: Policial divide tempo entre o Belenzinho e o litoral
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.