São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Biografia será lançada em 1997

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A biografia "Euclides", que o crítico e historiador Roberto Ventura está escrevendo, será um calhamaço de 450 páginas e cumprirá dois objetivos principais: relacionar a vida de Euclides da Cunha com sua obra literária, detectando nesta os influxos daquela, e analisar como os textos do escritor foram recebidos em sua época.
A definição é do próprio Ventura, que já escreveu um terço da obra e pretende publicá-la, pela Companhia das Letras, em 1997.
Como exemplo da passagem da vida à obra de Euclides que tenciona realizar no livro, Roberto Ventura cita as imagens geológicas que abundam em "Os Sertões" (escrito entre 1899 e 1901): "Elas têm a ver com o trabalho dele na época, como engenheiro de obras públicas no rio Pardo".
Sobre a recepção dos trabalhos do escritor em seu tempo, o biógrafo diz que dará especial destaque ao modo como os contemporâneos de Euclides receberam sua avaliação crítica da "república militarista" (os primeiros governos da República) e da "república dos bacharéis" (a política de conchavos que passou a predominar em seguida).
Ventura trabalhou durante cinco anos na pesquisa e na sistematização dos dados para seu livro. Pesquisou em São Paulo, Rio, Cantagalo (cidade fluminense onde Euclides nasceu), São José do Rio Pardo (cidade paulista onde escreveu "Os Sertões" e onde existe o Museu Euclides da Cunha), Salvador, Canudos (BA) e Manaus.
O material pesquisado incluiu, além da própria obra de Euclides, estudos sobre sua vida e obra, material publicado na imprensa da época e documentos "primários" (correspondência ativa e passiva, inventário, atestados, documentos sobre expedições, documentos militares, atas da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico etc.).
Será, ao que tudo indica, uma biografia fortemente imbricada à história política da Primeira República. Entre os assuntos pouco explorados que Roberto Ventura pretende esmiuçar em seu livro estão a atuação política de Euclides e de seu sogro, o general Solon Ribeiro, no início da República, a ligação do escritor com a chamada "dissidência paulista" de Julio Mesquita e Alberto Salles e a aproximação entre Euclides e o grupo de Afonso Pena e João Ribeiro, já no final da vida do biografado.
Ventura pretende também dar especial atenção aos ensaios amazônicos de Euclides, que planejou e não chegou a realizar uma grande obra sobre a região, que teria o título "Um Paraíso Perdido".
Outro livro que o escritor projetou e não concluiu foi uma história da Revolta da Armada (1893-94). "Pelos dois fragmentos existentes, que são dois ensaios sobre Floriano Peixoto publicados no livro 'Contrastes e Confrontos', dá para imaginar que seria uma obra extraordinária", diz Ventura.
Segundo ele, Euclides passou por uma situação delicada durante a Revolta da Armada (movimento militar que pretendia depor o presidente Floriano Peixoto): "Ele servia como oficial ao governo, mas seu sogro estava preso como conspirador a mando de Floriano. Ele oscilava entre a lealdade ao governo e a lealdade ao sogro".
Quanto à obra maior de Euclides, "Os Sertões", Ventura considera que sua atualidade se mantém em dois planos: no estético-literário, "por sua escrita virtuosística, muito imagética, com um uso admirável da retórica", e no da interpretação histórica, "por ter sido a primeira tentativa ambiciosa de compreensão global do país a partir do estudo da cultura do sertão".
Os aspectos do livro que têm sido alvo de revisão crítica são a "teoria racial datada, que endossa o ponto de vista da inferioridade do negro e do mestiço, e a visão negativa e preconceituosa que Euclides tinha de Canudos e da atuação do Conselheiro".

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