São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Lugar de criança é na escola?

GILBERTO DIMENSTEIN

Os americanos estão descobrindo um novo jeito de ganhar dinheiro: construir escolas sem paredes.
Prosperam salas de aula eletrônicas, com os alunos espalhados não apenas em diferentes cidades, mas também países -uma sala da CompuHigh, de Michigan, é "frequentada" por adolescentes de 25 cidades dispersas pelos Estados Unidos e Canadá.
O aluno não sai de casa, recebe as lições pelo computador, comandado por um professor; tem acesso aos mais sofisticados programas educativos, viaja pelas bibliotecas, museus e, ainda por cima, troca idéias com colegas que podem estar na África do Sul, Inglaterra ou Jamaica.
O mercado é favorável às escolas sem parede. Apesar de gastarem R$ 500 mensais por aluno no ensino público, num total de US$ 190 bilhões anuais, os pais estão descontentes -especialmente aqueles incapazes de colocar o filho numa escola privada, onde a mensalidade é, em média, de R$ 1.000 por mês.
Dois milhões de alunos já fariam parte da "home schooling", a educação em casa, instruídos pelos pais ou tutores, ajudados cada vez pelos computadores. Funciona?
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Ao tentar responder essa óbvia pergunta, pesquisadores imaginavam que iriam dizer o que a imensa maioria dos educadores supunha saber -mas acabaram por estimular ainda mais a onda da "home schooling".
Os testes mostraram que eles conseguem notas mais altas se comparados aos alunos do ensino público e que entram nas melhores faculdades.
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Tenho muitos dúvidas sobre a eficácia da escola sem paredes; sobretudo porque o relacionamento pessoal é inesgotável fonte de aprendizado. Um bom professor ao vivo pode determinar o interesse de um indivíduo, despertando a curiosidade.
Mas a "home schooling" dá uma valiosa dica -uma dica pouquíssimo usada no Brasil.
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Está provado: quanto maior o envolvimento dos pais, maior o aprendizado dos filhos.
Peguemos dois alunos. Um deles está numa boa escola, mas tem uma família que não valoriza a curiosidade e o saber. Outro, numa escola ruim, mas o ambiente familiar é rico em troca de idéias, leitura, estímulos intelectuais.
A tendência é a criança da escola ruim virar um profissional melhor; isso porque bons profissionais são aprendizes permanentes, e a escola é apenas uma passagem.
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Não cheguei a essa conclusão lendo qualquer tratado, mas observando, desde menino, o valor que as famílias judias -a exemplo das famílias de imigrantes europeus e asiáticos- davam à educação.
Logo, a geração de comerciantes ou agricultores produziria filhos médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, professores universitários.
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Realizaram pesquisas aqui mostrando que os filhos de pais imigrantes nos EUA que valorizam a educação como instrumento de alavanca social têm melhor desempenho nas escolas se comparados aos nativos.
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Compararam os filhos de negros imigrantes com os negros nativos; deu o mesmo resultado. Rapidamente, aqueles que vieram na África ou América Central entravam com mais rapidez nas faculdades e tinham uma média salarial mais alta do que o negro americano.
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Na semana passada, estive em Minas Gerais. Pude ver mais de perto uma experiência educacional pública, apontada pelos técnicos do Banco Mundial como das mais instigantes no Terceiro Mundo.
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A própria comunidade escolhe o diretor da escola e fiscaliza o desempenho dos professores por meio de um conselho. Esse envolvimento passa para as crianças o valor da educação.
O envolvimento dos pais já está se refletindo na queda da repetência e evasão.
Não sem motivo empresários americanos olham para Minas com crescente interesse: sabem que a produtividade está diretamente ligada à escolaridade do trabalhador.
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É apenas o começo, claro. Difícil imaginar boa qualidade sem computador em sala, conectado com a Internet.
Não se pode imaginar bom nível com baixo salários dos professores e poucos cursos de reciclagem -para mim, baixo salário é qualquer coisa abaixo de R$ 2.000.
Aliás, vale a pena pena prestar atenção na idéia que germina nos Estados Unidos de que o salário do professor estaria subordinado, em parte, ao desempenho dos alunos.
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Uma dos mais interessantes projetos educacionais que conheço produziu uma escola sem paredes, embora sem computador. Está no interior de Minas, coordenado pelo pedagogo Sebastião Rocha -foi considerado pelo Unicef, ano passado, como o principal projeto de organização não-governamental de educação eficiente a baixo custo.
Em vez de quatro paredes, os alunos estudam debaixo da árvore, criam brinquedos e jogos com os mais incríveis materiais. Nesse artesanato, desenvolvem o raciocínio lógico-matemático, além da escrita e expressão verbal.
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PS - Escolas experimentais de Nova York introduziram em seu currículo regular aulas de xadrez. Conheço poucas maneiras melhores de se exercitar o raciocínio junto com o prazer.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212)873-1045

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