São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANOMIA SOLIDÁRIA

Há nas sociedades urbanas modernas ao mesmo tempo uma tendência à mudança acelerada e uma reação muito comum contra a própria mudança, percebida como ausência de regras e, no limite, como ameaça à própria sobrevivência.
A mudança econômica acelerada, para o bem ou para o mal, é um dos mais importantes fenômenos que produzem essa sensação de falta de regras. Para o francês Émile Durkheim, por exemplo, considerado um dos pais da sociologia moderna, o estado de "anomia" pode conduzir o indivíduo ao suicídio.
No Brasil, temeroso da insegurança e incrédulo quanto à eficiência da polícia (com muita razão, diga-se de passagem), o Conselho Comunitário de Cerqueira César e Jardins decidiu oferecer à Secretaria da Segurança Pública de São Paulo ajuda financeira tanto para a compra de equipamentos como para o pagamento de um complemento salarial aos policiais.
Registre-se, aliás, que esse procedimento apenas formaliza o que já é uma tendência em todo o país. As iniciativas vão do conserto de carros de polícia à doação de combustível, passando pelo custeamento de reformas em distritos e pela ajuda salarial.
Ocorre que segurança pública é, como já diz a expressão, uma questão de ordem (em todos os sentidos) pública, ou seja, está entre os deveres do Estado. Tirar a segurança do coletivo, como desde Hobbes já se sabe, é apenas realimentar a insegurança de toda a comunidade. Não há pragmatismo que justifique a inversão, nem retórica que a legitime, travestida de "parceria com a sociedade civil".
Dos PMs que eram "seguranças" de PC aos exterminadores que prestam serviços a pequenos empresários nas periferias, o fenômeno é o mesmo: falta consciência do interesse público, falta governo, aumenta o desespero que no limite leva a mais violência e até mesmo à autoviolência, como previa Durkheim.
Essa "anomia solidária" que alguns brasileiros estão querendo inventar é uma distorção que deve ser combatida pela raiz: a sociedade exigindo que os poderes públicos ofereçam segurança autêntica e de fato pública. Fora disso é a guerra de todos contra todos, uma semente inevitável de todas as tiranias.

Texto Anterior: ECOS DAS TREVAS
Próximo Texto: Inflação e emprego
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.