São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 1996
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Carcereiro e policial contestam Exército

CRISTINA GRILLO
ENVIADA ESPECIAL A BROTAS DE MACAÚBAS (BA)

O depoimento de duas testemunhas e documentos obtidos pela Folha contradizem a versão oficial sobre a morte de Carlos Lamarca e de três outros guerrilheiros em 1971, no município de Brotas de Macaúbas (no sertão baiano, a cerca de 650 km de Salvador).
O relatório oficial do Exército para o caso diz que Lamarca, deitado junto a uma árvore, tentou correr e "foi abatido 15 metros à frente, caindo ao solo".
Na última quinta-feira, Genésio Nunes Araújo, 79, carcereiro de Brotas de Macaúbas em 71, disse à Folha que o corpo estava aos pés de uma baraúna (árvore típica da região) na tarde de 17 de setembro.
"Eu recolhi o corpo lá, junto da baraúna. O major (Nilton Cerqueira, comandante da operação) tinha me deixado no carro, e eu ouvi duas rajadas de tiros. Logo depois ele voltou, disse que a missão estava terminada e me mandou pegar o corpo", disse Araújo.
Última rajada
João Queiróz, 77, na época policial e hoje delegado da cidade, reforça o depoimento do carcereiro aposentado. Horas depois da morte de Lamarca, ele se dirigiu ao povoado de Pintada, local da morte.
"Vi muitas marcas de tiros na baraúna e em uma pedra, onde Lamarca tinha pousado a cabeça para dormir. Uns dias depois, a pedra foi tirada de lá por um pessoal que a gente não conhecia", contou Queiróz à Folha.
Na mesma operação morreu José Campos Barreto, o Zequinha. De acordo com o relatório da "Operação Pajussara", Zequinha percebeu a presença da equipe, gritou para Lamarca e começou a correr.
O relatório não deixa claro se Zequinha estava armado ou não. Diz apenas que o guerrilheiro "começou a correr, iniciando-se o tiroteio". Mais adiante, diz que Zequinha, já ferido, atira uma pedra em seu perseguidor, "recebendo então a última rajada".
"Houve tiroteio só de um lado, os soldados contavam isso aqui pela cidade com orgulho", relembra o delegado baiano.
Na época, Queiróz e Araújo foram convocados para ajudar os militares, ensinando os caminhos pelas trilhas da região.
"A gente tinha de ir mostrando o caminho. Eu era amigo do pai do Zequinha, o Zé Barreto, mas não podia recusar o trabalho. Só cumpria minha obrigação", disse Araújo.
"Eu fui chamado pelo comandante Heleno (o almirante Heleno Nunes), que me perguntou se eu conhecia o Lamarca e o Zequinha. O Lamarca eu nunca tinha visto, mas o Zequinha era primo da minha mulher. Ele perguntou como eu tinha coragem de dizer que era primo de um bandido. Eu disse que era pior mentir para ele. Aí fui obrigado a trabalhar com eles", relembra Queiróz.
Tiro no olho
Documentos encontrados pela Folha mostram contradições também em relação às mortes de Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Campos Barreto, militantes do MR-8 mortos durante uma operação na fazenda Buriti (em Buriti Cristalino, localidade que fica no município de Brotas de Macaúbas) no dia 28 de agosto -uma tentativa de encontrar Lamarca.
O laudo de Otoniel Campos Barreto mostra que ele recebeu quatro tiros -um deles no olho esquerdo, atravessando o cérebro e fraturando o crânio.
Segundo relatos oficiais, Barreto estaria de costas no momento dos tiros. Portanto, não poderia ter sido baleado no olho.
Já no caso de Santa Bárbara, a versão apresentada à família na época informava que o guerrilheiro havia se suicidado com um tiro no ouvido durante o cerco dos militares à fazenda Buriti.
Um documento assinado em 29 de agosto de 1971 pelo coronel Luiz Arthur de Carvalho, então diretor da PF (Polícia Federal) na Bahia, afirma, no entanto, que os dois foram "abatidos...quando reagiram à bala contra a equipe encarregada de capturá-los".
O documento foi feito para encaminhar os dois corpos à perícia no IML (Instituto Médico Legal) do Estado.

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