São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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A ONU e o subpaís nordestino

JOEL DE HOLLANDA

Os três "brasis" que surgem da última pesquisa da ONU com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), um parâmetro da qualidade de vida e do progresso formado pelos indicadores de renda da população, escolaridade e expectativa de vida ao nascer, explicitam, mais uma vez, uma grande chaga nacional, que é o desnível entre as regiões. Não se trata agora de estudo de uma Sudene, de um Banco do Nordeste, mas de dados da ONU e, como tais, insuspeitos, acima de qualquer viés regionalista.
São eloquentes esses dados, divulgados com destaque pela mídia, mas que exigem ainda melhor reflexão. Denunciam que 33,3% da população brasileira detém os índices mais baixos de desenvolvimento humano, formando um subpaís, localizado principalmente no Nordeste, abrangendo Sergipe, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Alagoas, Paraíba e mais Acre e Pará. O IDH desses Estados é menor do que 0,7, para um máximo de um e um mínimo de zero.
Para ter uma idéia da distância que separa o Nordeste do desenvolvimento socialmente justo, para usar uma expressão do presidente Fernando Henrique Cardoso, é bastante mencionar que a mesma pesquisa da ONU aponta um IDH 0,950 para Canadá e 0,937 para os Estados Unidos.
É óbvio que o Nordeste não pode virar Canadá e EUA de uma hora para outra, mesmo porque se trata de um atraso secular, mas assusta, entristece e indigna que o fosso continue avançando internamente. Muito mais grave é estar distante do Rio Grande do Sul, Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, bloco que, com uma população de quase 60 milhões, representando 49,4% dos brasileiros, atingiu o IDH 0,8, segundo o estudo da ONU. Esse é o primeiro "brasil".
Há um segundo "brasil", de IDH de 0,7 a 0,8, formado por Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia, que abriga 17,3% da população do Brasil com "B" maiúsculo. O terceiro "brasil", o subpaís nordestino, tem 46% dos 42 milhões de pobres registrados pela ONU no Brasil com "B" maiúsculo. O nível educacional, que é de 0,83 no Distrito Federal e em São Paulo, é de 0,54 em Alagoas e de 0,57 na Paraíba.
Não é cantilena de nordestino. Basta de determinismo histórico, de choros e lamentações, de razões atávicas. Chega de justificativas outras para tentar chamar atenção para o atraso do Nordeste, monocordicamente repetidas por algumas elites nordestinas equivocadas, que insistem em defender apenas os seus próprios interesses, deixando em segundo plano as potencialidades da região.
De outra parte, não se pode esperar, como pensam, também equivocadamente, algumas das lideranças das regiões hoje desenvolvidas e uma parcela da tecnoburocracia incrustada em Brasília, que o crescimento econômico e o desenvolvimento do Nordeste ocorram por geração espontânea. Esquecem esses o quanto o país -o Nordeste incluído- pagou no passado para que suas regiões apresentem agora tão elevado padrão de desenvolvimento.
O mesmo relatório da ONU aponta para a possibilidade de o país ingressar em novo ciclo de progresso, pela queda na taxa do crescimento populacional, pela capacidade empresarial e tecnológica já adquirida, pela dimensão do mercado interno. Está mais do que na hora, portanto, de repensar uma política para a região, sem o paternalismo de sempre, "que mata de vergonha ou vicia o cidadão", como denunciava Luiz Gonzaga.
É uma tarefa desafiadora, reconheçamos. Para começar, por que não usar o excelente mapeamento da pobreza no Brasil com "B" maiúsculo feito pela ONU para reorientar os dispêndios públicos federais e induzir novos investimentos privados para o Nordeste?
José Martí, o herói da independência cubana, disse certa vez que "o governo não é senão o equilíbrio dos elementos próprios do país". O governo precisa assumir uma posição clara e objetiva na redução dos desníveis regionais. Há que se construir um Brasil só, não vários "brasis" ou subpaíses.

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