São Paulo, sábado, 20 de julho de 1996
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Intensa dependência da nicotina

RIAL YOUNES

Apesar de evidências cientificamente comprovadas dos malefícios do cigarro (câncer, doenças cardiovasculares, doenças inflamatórias etc.), esse conhecimento não é prontamente assimilado pela população em geral. Desde a década de 70, ficou claramente provado que a nicotina é uma droga potente e produtora de dependência. Sem essa dependência, provavelmente não haveria um uso compulsivo e disseminado do tabaco.
Estudos epidemiológicos concordam que abandonar o fumo reduz gradativamente os riscos de câncer em ex-fumantes, principalmente de pulmão. Os benefícios de abandonar o fumo são óbvios, mas não suficientes para levar as pessoas a interromper o vício.
As leis que proíbem o fumante de acender seu cigarro em locais públicos e fechados são muito bem-vindas e, sem dúvida, ajudam na redução da taxa de exposição da população à fumaça nociva: a meta primordial dessas leis é "proteger" os não-fumantes, ou os potenciais fumantes passivos.
Persiste uma questão: essas leis ajudam a convencer o fumante a abandonar o cigarro? Não acredito que isoladamente essa ação (proibir o fumo em lugares públicos e fechados) convença muitos fumantes a interromper definitivamente o hábito de fumar. A dependência da nicotina é intensa, e a urgência em ter acesso a essa droga muitas vezes suplanta a vontade de parar de fumar.
Apesar do pessimismo quanto à capacidade de leis restritivas em persuadir fumantes a não fumar, existem evidências epidemiológicas que favorecem a implantação de tais leis.
A ausência da figura do fumante em ambientes públicos fechados (festas, restaurantes, teatros, reuniões, escritórios etc.) pode ajudar a reduzir progressivamente o número de fumantes na população: 1) por meio da diminuição da exposição de jovens adolescentes (a maioria dos fumantes inicia o vício entre 14 e 25 anos) a pessoas fumantes que possam influenciar a construção de sua personalidade ("role model").
2) Por meio da redução de estímulos que possam induzir pessoas que já abandonaram o vício a retornar ao cigarro: muitos ex-fumantes são induzidos novamente ao fumo por colegas ou amigos fumantes, geralmente em ambientes de trabalho ou de lazer.
Essas leis são parte da estratégia do combate ao fumo, mas não são suficientes isoladamente. A redução do número de fumantes (e da incidência de doenças ligadas ao tabaco) exige uma ação conjunta de várias frentes: leis restritivas aos fumantes, leis restritivas ao acesso das indústrias do cigarro ao consumidor mais vulnerável e campanhas de esclarecimento sérias e bem planejadas para orientar eficientemente a população como um todo.

Riad Younes, 37, chefe do Departamento de Cirurgia Torácica e diretor clínico do hospital A.C.Camargo, é professor livre-docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

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