São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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Marx, Hayek e Rosa

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Deu-se o seguinte: estando Fernando Henrique em terras lusitanas, entendeu de libertar o lado sociólogo que vinha mantendo aprisionado desde a posse.
Cosmopolita como ela só, a porção sociólogo de sua excelência chamou de provinciano o Brasil governado por sua fração presidente. Falou ao jornal português "Diário de Notícias".
"Como vivi fora do Brasil, na Europa, no Chile, na Argentina, dei conta disso", declarou. "Os brasileiros são caipiras, desconhecem o outro lado e, quando conhecem, se encantam. O problema é esse."
O presidente, digo, o sociólogo tem razão. O brasileiro é mesmo um jeca. Incapaz de orgulhar-se de si mesmo, ama o estrangeiro como poucos. Encantam-lhe a Europa, o Chile, a Argentina...
O brasileiro é também, fica demonstrado, um sujeito de memória curta. O professor Fernando Henrique esquece que o governo do presidente Fernando Henrique tem, ele próprio, uma gênese caipira.
O tucanato emergiu da junção do insucesso do modelo moderno de Collor com o êxito errático da gestão matuta de Itamar. Fernando Henrique planejava trocar a política pela redação de um livro sobre a transição. Foi arrancado da aposentadoria precoce pelo presidente do Fusca, do chope no restaurante Brasão, dos passeios pelas ruas da pacata Juiz de Fora.
De resto, entende-se, afinal, o apreço de Fernando Henrique pela cadeira do avião presidencial. Como sociólogo, sonha com a Escandinávia. Como presidente, lastima não poder mudar a posição do Brasil no mapa. E viaja. Viaja. Viaja. Quanto mais distante do Brasil, melhor.
Vá lá que, convertido ao evangelho liberal, Fernando Henrique queira transitar de "O Capital", de Karl Marx, para "O Caminho da Servidão", de Friedrich August von Hayek. O que incomoda é a naturalidade com que sua excelência pisoteia o universo desenhado em "Sagarana", de Guimarães Rosa, mestre da caipirologia nacional.

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