São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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Projeto Brasil

DARCY RIBEIRO

Não há maior besteira que a de um brasileiro embasbacar-se com a doutrina norte-americana da globalização. É compreensível que um país pequeno, sem potencialidades assinaláveis, se conforme com a fusão no colosso porque, sendo isso inevitável, o melhor é relaxar para tirar algum proveito.
Esse não é, evidentemente, o caso do Brasil. Seja pelo montante de nossa população, que faz de nós a maior nação neolatina. Seja pela vocação de nosso povo, cuja maior aspiração e trabalhar. Seja por sua capacidade de exercer qualquer ofício ou profissão. Seja, ainda, e principalmente, pela enormidade de nossos recursos naturais e minerais, que o mundo inteiro quer consumir.
Que é que nos falta para, afinal, dar certo? Falta-nos, essencialmente, vontade política para formular e pôr em execução um projeto próprio de desenvolvimento autônomo. Falta-nos, também, a consciência -debilíssima nos tecnocratas- da destinação do Brasil como civilização tropical e mestiça, que oferecerá ao mundo um novo padrão civilizatório.
Não vamos reproduzir ninguém como fazem as Austrálias, os Canadás e os EUAs. Seremos um gênero humano novo, uma Nova Roma. Melhor, porque lavada em sangue negro e em sangue índio.
Quem estranha que eu fale de Nova Roma está precisando estudar história. Que somos nós senão o rebento que há 2.000 anos saiu do Lácio e da Etrúria, latinizando meio mundo? A Ibéria latinizada nas versões espanhola e portuguesa foi o único broto latino que se multiplicou depois de 1.500 anos de descanso.
Na América Latina é que reproduziu-se prodigiosamente e começa a florescer a Nova Roma. O que nunca se concretizará se depender dos basbaques que não têm coração nem mente para assumir nossa destinação.
Começamos a nos ser, vigorosamente, com o Mercosul que nos atraca a um grupo de países homogêneos, como não há outros; e como um centro produtor e um mercado altamente promissores. Precisamos, agora, é montar o Merconorte, que nos unirá à Venezuela, à Colômbia, ao Equador e à Bolívia. Perfeitamente capaz de crescer também.
Essas aglutinações regionais é que nos afirmam para a interação sempre conflitiva com os outros blocos mundiais, o norte-americano, o centro-europeu e o japonês, bem como o chinês, o russo e o indiano, igualmente capazes de futuro.
Simultaneamente com essa ação externa, teremos que enfrentar os dois principais desafios internos. Uma reforma agrária verdadeira, que assente em terra própria milhões de famílias que nosso sistema econômico não poderá empregar e cujo futuro está em manter-se no campo ou em reverter a ele, para ali alcançar prosperidade.
O outro desafio é incorporar todo o nosso povo à civilização letrada. O que jamais se fará com a desastrosa invenção brasileira que é a escola de turnos. O mundo só conhece escolas de dia completo para professores e alunos. Só nelas a criança, oriunda de família sem escolaridade, pode progredir. Sem ela, será formada, de fato, é no mundo do lixo e da delinquência, arrastando o Brasil para o atraso.

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