São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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A CPMF sem emoção

ADIB JATENE

Como membro da comunidade científica, estou habituado ao debate que busca, em primeiro lugar, o esclarecimento e a verdade dos fatos, e não apenas a crítica sem oferta de alternativas diante de divergências.
Por isso, presto muita atenção aos opositores, aos seus argumentos e busco identificar os seus objetivos. O respeito pela opinião contrária é requisito básico da discussão democrática.
Na discussão da CPMF, identifico dois objetivos divergentes que levam a posturas diferentes sobre as consequências do estabelecimento desse tributo.
Um deles é o objetivo econômico financeiro, que se preocupa com eventuais consequências sobre a economia, as aplicações financeiras e os ganhos de capital, desembocando no risco à estabilidade e ao real.
Como é natural, hipertrofiam as desvantagens, desprezam os mecanismos de correção, como as isenções, e posicionam-se fortemente contrários, não considerando que a estabilidade e o real foram conquistas do então ministro da Fazenda e hoje presidente, Fernando Henrique Cardoso.
O outro é o objetivo fixado na pessoa humana, especialmente a de baixa renda, que não tem como solucionar seus problemas de saúde se não existir um sistema público eficiente e que, por isso, necessita de recursos diante da escalada dos avanços científicos e tecnológicos a oferecer oportunidades de tratamento e de prevenção que não podem ser negados, em particular, para essa população. Por isso, defendem o novo tributo.
No meio disso, estão as contestações sobre como o sistema vem operando, as medidas corretivas, desconhecidas pela maioria dos críticos que não militam no setor e mesmo alguns do setor que, por interesses específicos, se colocam contrários, até porque, embora da área, não estão acompanhando as modificações altamente positivas que vêm ocorrendo.
Trabalhamos fortemente na mudança do modelo de administração, investindo na descentralização em nível municipal. Já temos perto de 3.000 municípios que aderiram ao processo e estão se preparando para assumir integralmente a gestão. Inclusive, já possuímos 113 municípios, representando 20 milhões de pessoas, no sistema mais avançado de gestão, até aqui chamado de semipleno.
Nesses, praticamente as fraudes foram reduzidas a zero, e a prioridade ao setor público e filantrópico vem sendo rigorosamente observada. Em municípios em que esses setores não existem ou sua capacidade de atendimento é insuficiente, recorremos, como está na Constituição, à iniciativa privada. Hoje o setor público, incluindo o universitário e filantrópico, absorve 71% dos gastos com atendimento hospitalar e ambulatorial, ficando 29% para o setor privado.
Os dois grandes programas de Agentes Comunitários de Saúde e de Saúde da Família estão provocando resultados altamente positivos nos indicadores de saúde.
O combate às fraudes e irregularidades, de que tanto somos cobrados, vem sendo conduzido como nunca tinha sido feito. Não apenas o controle eletrônico, que é indispensável, mas também a reestruturação da auditoria, agora em três níveis, federal, estadual e municipal, cada qual com atribuições específicas e agindo em harmonia, antecipam resultados animadores.
Acabaram praticamente as irregularidades com a distribuição de autorizações de internação hospitalar, agora precedidas de laudo e obedecendo a tetos físicos e financeiros estabelecidos por município, tudo pactuado nas comissões intergestoras bipartites em cada Estado e homologado pela comissão tripartite no Ministério.
Todas essas e muitas outras informações sobre as campanhas de prevenção e combate a endemias encontram-se resumidas em publicação do ministério, que pode ser solicitada pelos interessados.
Quem não acompanhar esse processo continuará imaginando que os erros do passado ainda persistem e que nada foi feito para saná-los. São, portanto, críticas defasadas no tempo e que só atestam a sua desatualização. E nem se diga que episódios pontuais como Caruaru e Santa Genoveva são o retrato do sistema atual. São, antes, o resto do passado que estamos buscando eliminar.
O SUS é muito mais a Maternidade de Joinville, o Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, que acaba de ser laureado, o Hospital da Posse, de Nova Iguaçu, reaberto e funcionando na plenitude, depois de desativado por cinco anos, a reativação e recuperação dos hospitais federais do Rio, os 113 municípios em gestão semiplena, os 40 mil agentes comunitários e mil equipes de saúde da família, a vigilância sanitária atuante, a Fundação Nacional de Saúde promovendo saneamento e combate a endemias, todo um corpo social atuando, acompanhado pelos conselhos de saúde, liderados pelo Conselho Nacional de Saúde.
Todo esse esforço, que busca oferecer aos mais desprovidos um acesso digno e atenção à sua saúde e à de sua família, precisa de recursos suficientes e constantes. Estou seguro de que a nossa sociedade tem potencial para oferecer esses recursos.
Insisto em que o enfoque econômico-financeiro é importante, e os mecanismos de isenção que funcionaram no IPMF irão ser restabelecidos agora para minimizar os efeitos desfavoráveis que estão sendo apontados. O mais importante, e que deve prevalecer, é o enfoque humano, e este não só justifica, mas necessita desesperadamente desse reforço de caixa para sustentar as ações de saúde, até que alternativa definitiva seja oferecida pela reforma tributária.
O último relatório da ONU aponta aprofundamento de desigualdades no Brasil. É nosso dever trabalhar para reduzi-las, buscar uma sociedade mais solidária, em que os que mais podem aceitem uma contribuição emergencial para ajudar os que nada podem.

Adib D. Jatene, 65, cardiologista, é ministro da Saúde, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor científico do Instituto do Coração (Incor). Foi ministro da Saúde (governo Collor) e secretário da Saúde do Estado de São Paulo (governo Maluf).

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