São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 1996
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Ética nas eleições

ERNANDO UCHOA LIMA

Certa vez, instado por eleitores a fazer-se presente junto às bases, um deputado reagiu, indignado: "Ora essa, não devo nada a ninguém. Comprei os meus votos -e os paguei à vista. À vista!". De fato, no mercado eleitoral brasileiro, sobretudo nas regiões economicamente mais carentes, voto é mercadoria, e eleição é dia de feira. Elegem-se os mais abonados e, uma vez empossados, dão as costas ao eleitor. Só voltam a procurá-lo na hora de renovar o mandato.
O irritado parlamentar, dentro da escala de valores que professava, tinha lá sua razão. Era, afinal, produto do meio -e o meio o fizera pensar (e agir) daquela forma.
Os recentes acontecimentos em torno da morte de Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello, trouxeram à tona histórias ainda mais escabrosas, de corrupção eleitoral, que evidenciam que o país, nesse setor, continua na pré-história.
Em algumas regiões do país, não estamos muito distantes daquilo que Euclides da Cunha chamava, em "Os Sertões", de "mazorcas periódicas que a lei marca, denominando-as eleições, eufemismo que é entre nós o mais vivo traço das ousadias da linguagem".
Tendo em vista esse quadro, a Ordem dos Advogados do Brasil decidiu deflagrar mais uma campanha nacional de cunho cívico: "Ética nas Eleições". O objetivo é chamar o eleitor à reflexão, conscientizando-o de que eleição é coisa séria, um dos momentos mais solenes da cidadania. Voto não se vende, pois não tem preço.
Sabemos que essa é uma campanha de alcance restrito. Sensibiliza apenas os setores mais politizados da sociedade -a minoria. A grande maioria, excluída dos bens da educação e cidadania, continuará vulnerável à ação dos maus políticos, que, como o deputado supracitado, trata voto como mercadoria e eleitor como comerciante.
Apesar disso, tal como Sísifo, condenado a empurrar eternamente uma pedra montanha acima para de lá rolá-la montanha abaixo, não temos outra alternativa senão insistir. Há razões para otimismo. Sabemos que, apesar de haver ainda muitas distorções e atraso, registram-se progressos. Há hoje massa crítica bem mais expressiva na sociedade que há uma década. Os acontecimentos em torno do impeachment foram de grande valia para considerável parcela da população.
A partir deles, houve mudança na lei eleitoral, obrigando os candidatos a nominar os seus patrocinadores à Justiça Eleitoral, logo após a conclusão do pleito. É um avanço, considerando que antes não havia exigência alguma -e tudo acontecia por debaixo do pano. Mas, convenhamos, não é suficiente.
A relação dos patronos é entregue depois -e em caráter sigiloso- ao Tribunal Superior Eleitoral. Por que não antes e em caráter público? Por que ocultar o nome das empresas e instituições que auxiliam determinado candidato? Por que não dar transparência ao processo, divulgando antes quem auxilia quem? Nesse sentido, a OAB lança aos candidatos um desafio: que antecipem ao público o nome de seus financiadores.
E conclama desde já os partidos a que adotem esse procedimento e se empenhem por transformá-lo em lei, como acontece em democracias mais avançadas. Somente a plena transparência do processo evitará que o momento mais alto da democracia, as eleições, continue sendo um foco de perversões cívicas, de que o indigitado PC Farias não é exceção -é, antes (e lamentavelmente), regra geral.

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