São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 1996
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Assim é se lhe parece

ANDRÉ LARA RESENDE

O Banco Central acaba de divulgar uma série de dados sobre o desempenho da economia até junho. Foram divulgados como indicadores positivos. "O Globo", por exemplo, deu manchete no seu caderno de economia: "Uma safra de boas notícias".
O investimento direto estrangeiro bateu o recorde histórico: a captação de empréstimos externos pelas empresas mais do que quadruplicou e o prazo médio aumentou; a despesa mensal do Tesouro com juros se reduziu; o déficit nominal do setor público caiu de abril para maio e a base monetária teve uma pequena contração em junho.
Houve apenas um moderado crescimento das reservas internacionais. Isso é bom, explica o Banco Central, porque significa menor necessidade de emitir títulos para esterilizar os reais emitidos para comprar divisas. Ou seja, tudo corre às mil maravilhas; ou pelo menos assim entenderam os repórteres.
Tenho dúvidas se os dados justificam o otimismo. Senão vejamos. A base monetária ter tido uma pequena queda no mês não quer dizer absolutamente nada. Base monetária mensal é um conceito irrelevante. Só a força do hábito e a falta de atualização sobre teoria monetária explica a importância que ainda é dada à sua divulgação.
O fato de os empréstimos externos terem mais do que quadruplicado ainda reflete o enorme diferencial entre os juros internos e os externos. Quem tem acesso ao mercado externo utiliza-o até onde pode. Os prazos não se alongaram espontaneamente; são resultado da extensão compulsória imposta pelo próprio Banco Central.
O aumento do investimento direto é de fato uma boa notícia. Mas ainda assim deve ser visto em perspectiva. O investimento direto tinha praticamente desaparecido nos últimos anos. Sua volta é a confirmação de que, contida a inflação, o extraordinário potencial do mercado brasileiro não passará despercebido.
Já a redução do déficit nominal de abril para maio, sinceramente, também não quer dizer muita coisa. A queda de um mês para o outro não significa necessariamente uma tendência.
Mas o pagamento de juros, que foi a principal causa da deterioração do déficit no ano passado, se reduziu, dirá o leitor impaciente com o que poderá lhe parecer má vontade. É verdade, houve uma significativa redução na conta de juros. Taxas inferiores às extraordinariamente altas praticadas no ano passado significam uma conta de juros menor, apesar de incidirem sobre uma dívida muito maior.
E aqui está o dado mais importante, e preocupante, dentre os divulgados na semana passada: a dívida federal em títulos, sem considerar os títulos emitidos para substituir dívidas dos Estados, passou de R$ 48 bilhões para R$ 125 bilhões.
Um crescimento de R$ 77 bilhões. Mais de 10% do PIB em um ano! Proer, redesconto concedido a bancos em dificuldades e capitalização do Banco do Brasil foram responsáveis por quase R$ 20 bilhões desse aumento; a despesa com juros da própria dívida, por R$ 23 bilhões e a esterilização do aumento das reservas internacionais, R$ 26 bilhões. Que me desculpem os repórteres de "O Globo". Com as estatísticas econômicas, muito mais do que seria desejável, assim é se lhe parece; mas acho que eles andaram comendo mosca.

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