São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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A prescrição penal

NEREU LIMA

Entrou em vigor no dia 17 de junho a lei 9.271, de 17 de abril deste ano. Sua finalidade: dar nova redação aos arts. 366 e 370 do decreto-lei 3.689, de 3/10/41 (Código de Processo Penal).
Inúmeras são as lesões causadas pela malsinada lei. Deter-nos-emos no enfoque da prescrição. Injustiça, desatualidade, desaparecimento das provas, piedade, esquecimento da sociedade, todos são argumentos válidos para que seja extinta a punibilidade se o "Jus Persecutionis" do Estado em relação ao crime e seu autor não se exercitou contemporaneamente à prática do delito.
Mesmo por meio de leitura perfunctória, conclui-se que a nova redação dada ao art. 366 da CPP, pela recente lei, prevê a suspensão do curso do prazo prescricional (e não interrupção) tão só na hipótese de acusado citado por edital (a) que não comparecer a juízo ou (b) nem constituir advogado. Mesmo que não compareça, se constituir defensor, inaplicável a nova lei. Não constituindo defensor, mas comparecendo o acusado, segue a prescrição seu caminho normal.
Já uma segunda exceção de imprescritibilidade vem com o novo art. 368 do CPP: estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado por carta rogatória, suspendendo o curso do prazo prescricional até o seu cumprimento. Como a suspensão, diversamente da interrupção, não apaga o tempo de prescrição já decorrido, uma vez citado pessoalmente o réu, no exterior, a prescrição recomeça a sua contagem.
A contrário senso, não se suspende a prescrição em todas as demais hipóteses, nelas incluídas, "verbi gratia", a situação processual de réu citado pessoalmente em qualquer ponto do Brasil e que, após, não é mais localizado. Aqui, aplica-se o novo art. 367 do CPP, ou seja, o processo seguirá sua tramitação normal até sentença final, sem a presença do acusado.
A Constituição de 88 explicitou as duas únicas hipóteses de imprescritibilidade penal: crimes de racismo e crimes de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Sendo essa enumeração exaustiva, não pode o legislador infraconstitucional legislar sobre o tema, a não ser nas hipóteses previamente estabelecidas pelo povo brasileiro, no exercício, via congressual, da sua soberania.
Por último, resta mais um argumento: pretendesse o legislador constituinte tornar determinados crimes mais graves insuscetíveis de extinção de punibilidade, não teria também expressamente proclamado serem inafiançáveis e imprescritíveis os delitos de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e os crimes hediondos?
Em verdade, o problema não repousa na lei existente, mas sim nos homens encarregados de investigar os crimes. O Brasil se defronta com crimes não esclarecidos, processos que se arrastam não por falhas da lei, mas, acima de tudo, por falhas humanas. Assim, mesmo com as melhores leis do mundo, se prevalecerem a influência deletéria e o poder das minorias dominantes hoje vigentes no país, chacinas como Eldorado dos Carajás e Carandiru, morte de Paulo César Farias permanecerão, com ou sem prescrição, na lista vergonhosa dos delitos mal solucionados.

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