São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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Especialistas alertam para excesso de otimismo

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Médicos brasileiros estão alertando para o excesso de expectativas em torno do "coquetel" de drogas contra o vírus da Aids anunciado há duas semanas em Vancouver, no Canadá.
"Ninguém ainda conseguiu zerar ou acabar com o vírus da Aids", explica Caio Rosenthal, infectologista do Emílio Ribas e do Hospital do Servidor Público.
"O que se fez foi tornar indetectáveis as partículas do vírus na corrente sanguínea." Os exames norte-americanos mais sofisticados são sensíveis apenas a quantidades superiores a 500 partículas do vírus por mililitro cúbico de sangue.
A não-detecção do HIV no sangue não significa que ele tenha desaparecido. A maior quantidade de vírus se concentra nos tecidos linfáticos, que só agora começam a ser pesquisados.
"Não quero ser um destruidor de sonhos, mas não posso concordar com a venda de ilusões."
Nas duas últimas semanas, centenas de doentes de Aids e portadores do vírus estão procurando os consultórios médicos em busca de informações.
"Tem gente vendendo videocassete e TV para comprar um tubo do remédio", diz Rosenthal. "Outros querem vender a casa, o carro. É uma folia muito perigosa."
Apesar dos bons resultados dos inibidores de protease e da associação de medicamentos, Rosenthal diz que muitos de seus pacientes não apresentaram melhora.
Já há estudos que mostram resistência do vírus a todos os antivirais disponíveis. Nesses casos, não resta mais recurso ao paciente.
Segundo Rosenthal, alguns dos seus doentes tiveram de interromper o tratamento por causa de efeitos colaterais. Até agora, as pesquisas acompanharam pacientes por um máximo de 60 semanas. Ninguém arrisca prever o que acontecerá depois.
Supervírus
O Centro de Referência de DST-Aids da Secretaria da Saúde também está alertando para a procura indiscriminada do remédio. "Há muita gente querendo tomar o medicamento fora das indicações clínicas", diz Artur Lalichman, coordenador do programa estadual de Aids.
O CRT-Aids está preparando um curso para médicos da rede pública ensinando quais pacientes devem receber os antivirais.
A preocupação dos especialistas é com efeitos colaterais e a criação de resistências. O uso indiscriminado poderia gerar um supervírus, insensível a todos os remédios.
Na rede pública, onde os novos medicamentos devem chegar até o final do ano, apenas um grupo de pacientes de Aids deverá receber os inibidores de protease. De acordo com "tratamento de consenso" estabelecido por especialistas de todo o país, apenas os doentes sintomáticos serão tratados com a nova geração de remédios.
Para pacientes particulares, os médicos dirigem o tratamento de acordo com o número de células de defesa, a carga viral e o estado de saúde do paciente.

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