São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CPMF e prioridades

JUAN HERSZTAJN MOLDAU

Para compreender melhor a proposta de adoção da CPMF, convém tratar do processo genérico de tomada de decisões. Talvez o ponto central das discussões sobre a CPMF tenha sido o argumento de que o setor público desperdiça recursos, sendo menos eficiente que o setor privado.
Essa afirmação deve, entretanto, ser qualificada. É preciso, antes de mais nada, especificar com clareza os objetivos de cada classe de agentes. Há os pecuniários e os não-pecuniários. Entre estes, citamos redução de esforço, relaxamento do controle administrativo, preservação de relações harmoniosas entre os elementos que compõem determinada entidade etc.
A ação de qualquer grupo seria condicionada por uma escala de prioridades referente aos diversos objetivos. A avaliação de sua eficiência somente pode ser efetuada quando se conhece(m) o(s) objetivo(s) predominante(s).
No setor de saúde pública, os objetivos que, certamente, deveriam ser sempre identificados como prioritários seriam os de redução dos indicadores de mortalidade e de morbidade da população.
A constatação de "desperdício" talvez seja o retrato de uma situação em que objetivos como relação harmoniosa entre agentes, redução de esforço etc. tenham assumido uma posição hierárquica equivalente à de redução dos índices de mortalidade e morbidade.
Como, obviamente, o discurso dos responsáveis pelo setor público nunca fez referência a esses outros critérios, tornou-se aparente a ineficiência do setor de saúde pública em relação aos fins de redução de morbidade e mortalidade.
Entretanto, mesmo correndo o risco de demonstrar certo cinismo, ninguém deve acusar esse setor de ineficiente em um sentido mais amplo, considerando também o atingimento daqueles objetivos adicionais, se aqueles forem efetivamente importantes.
Dado o estado crítico da saúde pública, a redução dessa situação deveria ser absolutamente prioritária e os outros objetivos acima mencionados deveriam ser sacrificados. Se, ao contrário, aqueles forem tão importantes quanto a redução dos índices de morbidade e mortalidade, o aumento de recursos via CPMF continuará alimentando a todas essas finalidades.
Não haverá garantia de destinação exclusiva ao atendimento dos critérios considerados predominantes no setor. Teríamos um problema de credibilidade do governo. O poder público nunca declarou haver outros alvos a nortear suas ações que não os oficiais.
Portanto, se, previamente, aqueles outros objetivos eram importantes, caberia ao governo demonstrar que hoje a ordenação de prioridades, de fato, mudou. Na verdade, sabemos que a transferência de recursos de outros setores do governo e a redução de privilégios têm sempre sido extremamente difíceis.
Igualmente, o aprimoramento da máquina administrativa e o aumento do esforço no sentido de coibir abusos e malversação de recursos têm também sido muito complicados. Sendo assim, a aprovação da CPMF, tudo indica, poderá impedir que iniciativas mais severas sejam adotadas no sentido de dar à redução dos índices de mortalidade e morbidade a necessária conotação de únicos objetivos predominantes.
Portanto, sendo verdade que há desperdícios dentro do setor público com relação aos objetivos declarados de cada área do governo, a proposta de criação da CPMF como única alternativa poderia sugerir que objetivos como relaxamento de controle, relações harmoniosas entre agentes e preservação de acordos políticos, seriam, de fato, também prioritários.

Texto Anterior: A era da insegurança
Próximo Texto: Seminário discute nova estratégia das empresas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.