São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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Malan admite que há risco de contágio

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O ministro brasileiro da Fazenda, Pedro Malan, fazia as malas para viajar para Buenos Aires, a caminho de Santiago do Chile, quando recebeu a notícia da queda de seu amigo Domingo Cavallo.
A assessoria de imprensa de Malan diz que a viagem estava programada há um mês e, portanto, não tem relação com a crise que acabou por derrubar Cavallo. Ainda assim, é evidente que o governo brasileiro dá a máxima prioridade à estabilidade econômica do vizinho.
Como Cavallo era, em grande medida, o símbolo dessa estabilidade, autoridades brasileiras fizeram o possível, em crises anteriores, para demonstrar aos argentinos o quanto gostariam que o ministro fosse mantido.
Natural, como explicou o próprio Malan, em entrevista coincidentemente publicada na edição de ontem do principal jornal argentino, "Clarín":
"As duas economias são interdependentes. Portanto, o êxito de uma beneficia a outra. Para nós, êxito quer dizer a continuidade das políticas de estabilidade, de inflação sob controle e o crescimento sustentado da atividade econômica e do investimento".
Acrescentava um elemento fundamental: "Vivemos em um mundo financeiramente integrado, em que existe uma notória velocidade de resposta do capital internacional à questões macroeconômicas, em particular da Argentina e do Brasil".
O contágio
Traduzindo objetivamente: após a crise mexicana de 1994, a Argentina (mais) e o Brasil (menos) foram afetados pela fuga de capitais, até porque os investidores internacionais distinguem pouco um país latino-americano dos outros.
Agora, se houver instabilidade na Argentina, tenderá a ricochetear no Brasil. Ainda mais se se considerar que há um certo consenso de que a alta de juros norte-americanos fará com que haja menos capitais disponíveis para investir em mercados ditos emergentes, de maior risco.
O contágio não esgota, de qualquer forma, o elenco de problemas que a economia brasileira tende a sofrer, no caso de a crise argentina agravar-se.
A interdependência que Malan mencionou ao "Clarín" é crescente. No ano passado, a Argentina absorveu 8,7% das exportações brasileiras, seu segundo maior mercado, após os Estados Unidos (18,9%).
A abertura econômica na Argentina, acoplada à criação do Mercosul, fez com que um punhado de empresas brasileiras se instalasse na Argentina, desde as de grande porte (o Banco Itaú, por exemplo) até pequenas e médias.
A dependência
É tão forte o vínculo que se criou, na Argentina, a expressão "Brasil-dependente", para designar a situação da economia argentina em relação a seu vizinho maior.
Faz sentido: a balança comercial argentina só registra superávit (mais exportações do que importações) por causa do Mercosul. Nos quatro primeiros meses do ano, o superávit com os três parceiros foi de US$ 612 milhões. Com o resto do mundo, houve déficit (mais importações do que exportações).
Se o brasil é, para a Argentina, mais importante do que a Argentina para o Brasil, nem por isso pode-se imaginar uma situação de mão única.
Mas há também um aspecto menos mensurável, que é o diplomático. O Mercosul é a menina dos olhos da diplomacia brasileira. Fortalecê-lo é condição preliminar para negociar em condições mais vantajosas com os Estados Unidos, com vistas à eventual criação de uma zona americana de livre comércio.
Um abalo na segunda peça principal do Mercosul, a Argentina, seria tudo o que a diplomacia brasileira gostaria de evitar agora.
Em nota oficial divulgada ontem, Malan disse que o relacionamento entre Brasil e Argentina "não depende tanto das pessoas que estejam à frente dos organismos governamentais responsáveis pela condução da política econômica nos dois países".
Ele elogiou a escolha de Roque Fernandez para o cargo de Cavallo. "É uma garantia de continuidade desse processo."
No início da noite, a assessoria de Malan já não considerava como certa sua passagem por Buenos Aires. A participação no seminário de Santiago, segunda-feira, está confirmada.

Colaborou a Sucursal de Brasília

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