São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 1996
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Crise na Saúde pede solução caseira, diz diretor da OMS

LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais importante do que conseguir muito dinheiro é saber como usá-lo. Essa é a receita do diretor de Saúde Pública da OMS (Organização Mundial da Saúde), Ferdinand Siem Tjam, 52, para resolver a crise na rede pública de Saúde de qualquer país do mundo.
"Não acho que apenas conseguir mais dinheiro seja suficiente para resolver o problema do setor", disse Tjam sobre o CPMF (imposto criado pelo ministro Adib Jatene para arrecadar dinheiro para a Saúde).
Tjam diz que cada país tem de buscar soluções "caseiras" para seus problemas. Ele cita o exemplo de mulheres da Indonésia. Elas trabalham em sua própria comunidade. Pesam, medem e controlam a alimentação das crianças e conseguiram, com baixo custo, reduzir a mortalidade infantil.
"Saúde não é uma coisa que o médico pode dar ou vender para o paciente. Cada pessoa tem de tomar conta de si mesmo."
E, para que as pessoas possam cuidar delas mesmas, Tjam diz ser essencial que "uma literatura funcional", com informações básicas, esteja disponível para fazer a prevenção de doenças como a Aids, por exemplo. "Hoje, a única coisa a fazer (para prevenir a Aids) é informar e dar educação", diz.
A seguir, leia trechos da entrevista que Tjam concedeu à Folha no dia 20 do mês passado.
Folha - No Brasil convivem hospitais bem equipados, com tecnologia de ponta, e doenças de Terceiro Mundo, como malária, dengue, cólera etc. Qual deve ser a política de saúde para reduzir esse contraste?
Ferdinand Siem Tjam -Se você olha o mundo, vê que a saúde pública pode ser afetada por três fatores: 1º) problemas no meio ambiente, como poluição, ou no meio biológico, como bactérias, vírus etc.; 2º) meio humano, como violência, sequestros, assassinatos ou o comportamento, que depende de você, se você gosta de fumar, fazer sexo não seguro; 3º) problemas genéticos. Os hospitais cuidam especialmente do 3º grupo. Não podem influenciar o meio ambiente ou o comportamento.
No ano passado, 52 milhões de pessoas morreram. Desses, 33% de doenças infecciosas, 67% de outras (acidentes, envenenamentos, assassinatos, câncer). O que podemos fazer para evitar a morte?
Se olharmos para as três categorias, vemos que é necessário fazer algo pelas três. E cada região tem sua própria receita. Em São Paulo, não temos o que fazer contra mosquitos, nada contra a malária, mas o mesmo não vale para o Mato Grosso, por exemplo.
Folha - O que o sr. acha de soluções como CPMF, um imposto criado pelo governo para aumentar a verba para a Saúde?
Tjam - Parece uma boa maneira, mas não acho que apenas conseguir mais dinheiro seja suficiente para resolver o problema. O governo tem de saber como gastar. Não apenas conseguir dinheiro.
Folha - O Brasil gasta por pessoa anualmente cerca de US$ 80, enquanto os EUA gastam US$ 2.000. O sr. não acha que fica difícil resolver a crise da saúde com um orçamento tão apertado?
Tjam - Essa idéia de comparar números separados é errada. Um número não significa nada se não compararmos com o custo de vida. US$ 80 no Brasil pode não ser o mesmo que nos EUA. Além disso, os economistas têm maneiras diferentes de calcular o mínimo suficiente para a sobrevivência.
Folha - O sr. tem algum exemplo de experiências bem-sucedidas e com baixo custo no mundo?
Tjam - A base é o desenvolvimento, principalmente o social, tentando achar soluções locais. Por exemplo, em muitos países do mundo temos visto pessoas leigas cuidando da saúde da sua comunidade. Na Indonésia, por exemplo, mulheres jovens são treinadas e trabalham em suas próprias comunidades. Duas vezes por semana, elas vão até as escolas pesar crianças, medir, saber como está a alimentação etc. E estão reduzindo, com um custo baixo, a mortalidade infantil.
Folha - Aqui no Brasil, o governo tem um projeto semelhante no interior, em que pessoas da comunidade visitam famílias e fazem esse trabalho de medir, pesar e vacinar crianças.
Tjam - Isso é muito bom porque as pessoas começam a cuidar delas mesmas. Saúde não é uma coisa que o médico pode dar ou vender para o paciente. Cada pessoa tem de tomar conta de si mesma. Em algumas comunidades, fizemos uma pesquisa entrevistando mulheres, perguntado quantos filhos tinham, os problemas mais comuns etc. Descobrimos que, em alguns países subdesenvolvidos, as mães sabem mais sobre a saúde de seus filhos do que na Europa, que tem mais médicos. Então, a conclusão é que as mães são melhores nesses países mais pobres.
Folha - Que outras medidas podem ser tomadas para prevenir doenças?
Tjam - Dar mais informações e educação. Uma literatura funcional, por exemplo, pode ajudar muito. As pessoas não precisam ler livros complicados, mas podem ter conhecimentos básicos sobre higiene, doenças básicas etc. E manter uma tradição de passar esses conhecimentos adiante e, assim, evitar doenças. Mulheres leigas que fazem partos em comunidades pobres, por exemplo, podem trocar facas sujas por tesouras desinfetadas.
Folha - No ranking de países subdesenvolvidos que estão conseguindo encontrar soluções para seus problemas, em que lugar o sr. colocaria o Brasil?
Tjam - O Brasil está no meio. A expectativa de vida está crescendo. Pulou de 60 para 63 anos, entre 1983 e 1993 (homens). E, para mulheres, de 66 para 69. Isso é muito bom. A taxa de mortalidade infantil passou de 71 por mil para 54. Nos países ricos, esse número é de 20 e, nos pobres, chega a 150 por mil. Então, considero que o Brasil está no meio. Ele está em uma situação razoável e melhorando.
Folha - O Brasil é o 3º no mundo em número de casos de Aids. Qual deve ser a estratégia para conter o aumento de pessoas contaminadas aqui?
Tjam - No momento, nós não temos nenhum modo para reduzir a transmissão da Aids, com exceção da informação. De certa maneira, esse não é um grande problema, pelo menos agora.
O número de pessoas que morrem com Aids é relativamente pequeno, se comparado com o de outras doenças. O problema é que a chance de morte por causa da Aids é de 100%. Ela também não é uma doença facilmente transmissível, sexualmente ou por consumo de drogas. Uma pessoa que nunca faz sexo não é contaminada.
Só se você tem muitos parceiros você tem de usar camisinha porque não há outra maneira de evitar contaminação. Hoje, a única coisa a fazer é informar e educar.
Folha - O que o sr. acha do escândalo ocorrido na clínica Santa Genoveva, no Rio, onde 99 idosos morreram desde abril devido a maus-tratos?
Tjam - Sem dúvida, é um sério problema. Mas aqui não são só os idosos que estão sendo maltratados. Vi muitas crianças dormindo nas ruas. É um problemas social, que tem a ver com pobreza e com o desenvolvimento social.
Pobreza sozinha não é o problema. O problema é que temos uma sociedade onde os filhos deixaram de cuidar dos pais.
Então você deve ter um mecanismo para cuidar dos idosos. Responsabilidade e colaboração são coisas muito importantes.
Folha - Está associada com o problema econômico?
Tjam - Em parte. Por exemplo, em Cingapura, que é pobre, há uma lei que diz que os filhos podem ser processados se não cuidarem de seus pais. Acho que isso é correto. Nos EUA, que são um país rico, por exemplo, os filhos não cuidam de seus pais.
Folha - A atual crise da ONU também incomoda o sr.?
Tjam - Acho normal que, depois de 50 anos de existência de uma instituição como a ONU, haja críticas. Sei que existem muitas críticas às Nações Unidas, mas isso não é mau. As pessoas esquecem as coisas boas. Depois de muito tempo, é como um casamento, você começa a ver só os defeitos.
Folha - O que sr. acha do PAS (Plano de Atendimento à Saúde, implantado na cidade de São Paulo neste ano) como solução para a rede pública de saúde?
Tjam - Acho que é muito bom. Cada sistema tem de tentar achar seu próprio caminho para reduzir os abusos. E, como São Paulo é uma cidade muito grande, deve ter vários projetos e estar sempre fazendo testes.

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