São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 1996
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Darcy virtual

DARCY RIBEIRO

Não sou um homem de idéias. Não só. As idéias e a imaginação me empolgam, mas o que faz minha cabeça são os fazimentos. Deles é que me orgulho. Dessas instâncias em que consegui plantar idéias no chão do mundo. Sobretudo minhas três universidades e uma mais que estou fazendo agora -a Universidade Aberta do Brasil. Meus 500 Cieps. Um sambódromo que fiz no Rio e o beijódromo que estou fazendo em Brasília.
O que me ocupa agora, mobilizando todas as energias, é a criação de um protótipo multiplicável de Central de Teleducação e Multimídia. Já ganhei o prédio, doado pelo governo do Distrito Federal. Estou ganhando o resto.
Trata-se de reunir, num sistema computacional complexo, todo o saber em que se funda a educação de quinta à oitava e a de ensino médio, bem como o curso normal superior de formação e aperfeiçoamento de magistério de primeiro grau, além de cursos de saúde, desportos, informática e de artes. Integram também o conjunto cursos orientados para os trabalhadores, que cobrem desde a leitura compreensiva até os direitos do trabalhador, o sindicalismo, o cooperativismo e a cidadania.
O mais bonito da minha central é que ela funciona a tempo real. Qualquer dos seus cursos começa para o aluno quando ele chega, porque não há períodos letivos e cada um progride segundo possa, mobilizando sua própria energia. A multimídia também ajuda porque, quando o aluno chega, diz a ele qual foi a última lição que fez, a repete e passa para a seguinte.
Mais sensacional ainda é que isso funciona como um buraco negro, ou seja, todos os meus cursos estarão abertos para serem chupados por quem quiser. Com um telefone de qualquer lugar do Brasil, pagando taxa local, se pode acionar a Internet para pedir um curso sobre Picasso ou sobre astronomia, sobre educação sexual, informática ou sobre o que se queira.
Essa Central de Teleducação e Multimídia, com seus 60 computadores de uso dos alunos e seus grandes computadores centrais, é o ninho em que botarei o ovo da minha futura Universidade Aberta do Brasil.
Se eu não fosse eu, ninguém acreditaria que isso é possível. Mas quem fez o Sambódromo em quatro meses e o converteu num enorme escolódromo, que se empresta uma semana por ano às escolas de samba, pode fazer qualquer coisa mais. Vaidade? Sem qualquer dúvida. Sou vaidoso de mim. Convivo comigo há setenta e tantos anos e continuo gostando de mim. Os modestos têm suas razões.
Sou levado a esse novo fazimento porque o meu amor mesmo -além das moças- é o povão. Meu protótipo, que espero pôr em funcionamento até o fim do ano -creiam-me!-, será multiplicável. Qualquer prefeito ou potentado de qualquer metrópole, se é homem de visão, pode me pedir ajuda gratuita para montar lá no seu município uma central igualzinha à minha. Com capacidade de atender a uns 10 mil alunos presenciais e a quantos se queira se alcançar a difusão televisiva -o que vou conseguir- e a produção do material didático de boa qualidade para os meninos e os madurões estudarem. Não se aprende por televisão. Só se aprende estudando textos escritos. Os computadores são os professores do futuro. Mas cuidado! Não fazem nada se não tiverem um bom professor ao lado, emprenhando-o de idéias.

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