São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 1996
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Ciência e universidade pública

ROGÉRIO MENEGHINI

Grandes descobertas científicas tiveram repercussões não apenas nos domínios da ciência, mas também nos da filosofia e da sociologia, modificando a concepção do mundo num sentido muito amplo. Assim aconteceu com as descobertas de Copérnico, Galileu, Darwin e Einstein.
Esses cientistas tiveram, no próprio momento das suas concepções, a reação não apenas do "establishment" científico, mas de toda a sociedade. Outros paradigmas científicos foram estabelecidos sem uma percepção tão notável por parte da sociedade até o momento em que as suas repercussões no cotidiano se fizeram sentir de forma dramática, geralmente bem mais tarde.
Lavoisier foi mais conhecido na sua época pelo seu papel de homem público na Revolução Francesa do que pelas descobertas na química, com repercussões profundas na economia no século 19. Reconhecimento posterior também adveio para as descobertas de Faraday, Rutherford, Fermi, Watson e Crick.
Os países que têm a ventura de possuir uma plêiade de cientistas com grandes contribuições abrigam cidadãos com um senso de auto-estima de valor inigualável. Ao entrarem numa aeronave moderna ou num hospital com recursos sofisticados, eles sentem que as tecnologias ali incorporadas de alguma forma lhe dizem respeito. Foram fruto das descobertas realizadas pelos seus compatriotas.
O Brasil é um país relativamente jovem em ciência, mas que incorporou de forma rápida a cultura da competência científica avaliada pelos pares. No entanto o país ainda apresenta um perfil desfavorável no contexto da produção científica numa escala mundial. Deveríamos estar produzindo mais ciência pela economia que possuímos, numa escala comparativa.
Há, no entanto, um fato favorável. O Brasil, em cerca de 15 anos, aumentou sua inserção internacional em ciência de 0,30% para 0,65%, isto é, mais do que dobrou. Aproximou-se portanto do ponto em que se encontram países mais desenvolvidos. Tal crescimento ocorreu a despeito de não ter havido aumento de investimento em ciência e tecnologia no período 1981-1995.
Esse fenômeno, aparentemente inédito, é reflexo de fatos como a institucionalização da pós-graduação, o estabelecimento de um processo razoavelmente competente de distribuição de recursos pelas agências de fomento, baseado na avaliação de mérito, e de um crescente estímulo à colaboração nacional e internacional. Esses fatos agiram como uma força contrária ao desmantelamento de grupos de excelência na ciência e tecnologia brasileiras.
É difícil avaliar o quanto essa corda pode ser ainda mais esticada. Os grupos de pesquisa, mesmo os altamente competentes, sofrem com as condições precárias de trabalho, mormente fora do Estado de São Paulo, pois neste a Fapesp tem garantido um padrão mínimo de atendimento.
A posição de inserção internacional alcançada pela ciência brasileira, ainda que distante do desejável, deve ser encarada como um capital de inestimável valor. Os chamados Tigres Asiáticos encontram-se atrás de nós. Utilizando transferência de tecnologia, tiveram um progresso econômico exuberante, mas derraparam na falta de ciência básica e tecnologia de ponta. Como consequência, estão fazendo o que o Japão já faz há duas décadas, isto é, investir maciçamente em pesquisa científica.
É difícil saber com maior precisão as consequências socioeconômicas da ciência brasileira, pois essa pesquisa é pouco praticada entre nós. Por outro lado, há elementos para mostrar o quanto a nossa ciência já beneficiou a sociedade. O trabalho de Johanna Dobereiner no desenvolvimento de bactérias fixadoras de nitrogênio tem significado uma economia em fertilizantes no cultivo da soja de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões por ano, valor superior ao que o governo investe em ciência no Brasil.
Se somarmos a isso o controle da ferrugem do café, fruto das pesquisas de Alcides Carvalho, o melhoramento genético do milho, alcançado pela equipe de Ernesto Paterniani, teremos ainda apenas uma fração dos trabalhos de pesquisa com impactos de bilhões de dólares na economia agrícola.
A construção do laboratório de luz sincrotron em Campinas, liderada por Cylon Gonçalves da Silva, é um empreendimento que empolga pela sua grandiosidade, desenvolvimento de tecnologia de ponta e possibilidades de aplicação prática. Empolga ainda mais ao sabermos que há países avançados com interesse em comprar a tecnologia desenvolvida nesse empreendimento.
O grosso dessas pesquisas está ligado à universidade pública, que, a despeito de suas fragilidades, começa, antes de qualquer outra instituição pública, a discutir seus problemas: corporativismo, falta de incentivos aos mais produtivos, aposentadoria precoce e formas de beneficiar a sociedade.
Portanto os críticos da universidade pública devem moderar o seu ardor. Há muitas mudanças a serem feitas e que deverão superar uma cultura enraizada. Porém é crucial não escamotear o que essa universidade já fez pelo Brasil e que um de seus grandes problemas, na atualidade, está nos parcos recursos repassados pelo governo às agências de fomento científico.

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