São Paulo, terça-feira, 30 de julho de 1996
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33 perguntas sobre a crise da arte no Brasil

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Cansei de ser pós-moderno. Quero ser moderno de novo. Chega de ficar só falando de política. Falemos de arte.
Ando tão ligado em política que algum tempo atrás fui ao Egito. Como um besouro, eu me arrastei por dentro da pirâmide de Quefrem por 60 metros, dentro de um túnel de 50 centímetros de largura.
Sem ar, caí dentro da tumba do faraó, construída há 5.000 anos. Entrei na tumba, debaixo de bilhões de toneladas de pedras, e pensei: "E o PMDB?" Isso já é doença.
Chega. Pelo menos hoje, vou falar de arte.
Outro dia, escrevi um pobre artigo que falava da necessidade de surgir uma nova arte no país.
Estamos encurralados num beco sem-saída ideológico, ninguém sabe nada de nada. Só a arte pode "pensar" o desconhecido.
A barra pós-utópica está pesada, tudo bem. Mas não é só o "mundo mau" que seca a criação. Nem só o mercado sinistro.
A idéia de "novo" na arte brasileira está muito amarrada a velhas teses estéticas. Nem falo das ideologias do "conteúdo": falo da ideologia da "forma".
Não há mais ditadura; temos democracia. Por que não rola uma nova bossa? Não sei.
Faço perguntas aos artistas e gostaria de ouvir respostas. Falo de literatura, cinema, teatro e outras musas.
Por um neobarroco
Será que a "vanguarda" não ficou acadêmica? Por que teorias estéticas de 1916 (desde o "dadaísmo") ainda policiam a criação?
Por que o conceito de "experimental" está ligado à idéia de sofrimento, autodestruição, proibição da redundância e ao cultivo do desagradável e do feio? Por quê?
Por que a experimentação não pode ser, como queria Stravinsky, "exaltante"? Será que a arte não se fechou numa paranóia conceitual e minimalista, que impede a generosa loucura de um neobarroquismo?
Quem disse que Duchamp e Mallarmé têm de patrulhar a pintura e a poesia até hoje? Quem disse que Joyce tem de matar os atuais escritores de sentimento de culpa por não destruírem o discurso linear?
Será que Joyce não estava já maluco quando fez o "Finnegans Wake"? Quem tem coragem para concordar?
Por que prevaleceu a vertente "triste" do modernismo, a vertente "conceitual", que joga sobre o "mal do mundo" apenas um vago mau humor, uma ideologia nevoenta de criticismo sem nome, apenas uma arte enojada contra o mal-estar da civilização?
Será que não está na hora de se recriar um construtivismo positivo, em vez da destrutibilidade automática?
O bode na arte
Por que a melancolia seria mais profunda que a alegria? Será que não existe uma igreja dogmática de velhos clichês do "novo", que proíbe qualquer transgressão à "transgressão oficializada"?
Quem eu prefiro? Picasso ou Duchamp? Prefiro Picasso. Será que isso é "esteticamente correto"?
Vou confessar um crime: eu acho o John Cage chato para cacete. E aí, me assalta uma dúvida: será a diversão superficial e a chatice profunda?
Será o tédio uma forma "revolucionária", que depura com rigor moral a festa alienante do mundo ocidental? Talvez eu esteja errado em achar o chato chato. Talvez o chato seja eu.
Será que o rigor minimalista não é muitas vezes um disfarce para a falta de graça e de talento? Será que a "graça" (wit, verve, charm) é de "direita"?
Tudo que é sólido desmancha no ar. Tudo bem. Será que não está na hora de novos "erros sólidos", que depois "desmanchem" no ar? Será que eu estou errado?
Será que o que eu considero a "falta de generosidade" da arte atual é apenas uma renúncia ética e "grave" às frivolidades da "vitória" burguesa e fácil?
Sempre tenho a sensação de desperdício quando vejo a arte seca, fúnebre, bodeada, fugindo do mundo.
E se a arte tentasse disputar pau a pau com o sistema, mesmo sabendo que perde, em vez de cair nessa velha autoflagelação acusatória?
Será a melancolia a única forma de reflexão? Como então explicar Fred Astaire, Busby Berkeley, "Cantando na Chuva", a arte pop, o jazz?
Depois do pop, será que uma "Aids conceitual" não atacou tudo, depauperando a luta? Sei que é dura a redundância exigida pelo mercado. Mas não será essa a luta "par excellence"?
Arte feliz
Quando vi os Rolling Stones no Brasil, vi a arte moderna em pleno triunfo, debochada e feliz. E escrevi que os Stones são "o Bem que o Mal do mundo produz".
Os Stones são a razão que o progresso da loucura deixa cair na arte. É isso: por que o "Bem" não pode estar além do "mal"? Por que tem de estar sempre "aquém"? Por que o artista tem medo de se sujar?
Será que a indústria cultural de massas justamente não "a-do- ra" que a arte fique tristinha e órfã e bem "povera", para poder triunfar com plenitude voraz sobre a Terra toda?
Será que não existe um militarismo seco na vertente triste da arte moderna? Será que não se esgotou a denúncia do feio pelo "mais feio"?
Como explicar a explosão de vida de um Maiakovski? Será que na recusa a qualquer "drive" belo e profuso, generoso, não estará oculto um idealismo utópico que odeia a vida real, por adesão a um impossível platonismo?
A arte tem de buscar o novo. Mas o "novo" terá de ser somente reativo? O novo não poderia ser um "belo" que denuncie, com sua luz, a injusta vida?
Será que divididos entre "o meio e a mensagem" não estamos em lugar nenhum? Será que divididos entre o mercado e as regras de ouro da criação de 1916 não acabamos paralisados?
Será que não há uma academia da vanguarda que patrulha a nossa maravilhosa liberdade de errar? Cartas para a redação.

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