São Paulo, terça-feira, 30 de julho de 1996
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Uma federação democrática e mundial

EDUARDO JORGE; LUIZ GUSHIKEN

A globalização, a mundialização, ou como se queira chamar, é um fenômeno irreversível
EDUARDO JORGE e LUIZ GUSHIKEN
Os recentes desenvolvimentos nas comunicações, nos transportes, na informática e em outras tecnologias de ponta colocam pela primeira vez ao nosso alcance a possibilidade de uma administração superior dos conflitos entre nações pobres e ricas, entre o nacional e o internacional, entre a administração centralizada e a descentralizada.
Por outro lado, nenhum dos grandes problemas da Terra e dos povos pode ser resolvido isoladamente por uma nação rica ou pobre. Por exemplo, as drogas e a inter-relação entre a sua produção e o seu consumo. As epidemias transpondo fronteiras. A fome e a pobreza persistindo, se expandindo e se transportando em direção aos centros dinâmicos da economia mundial pelos caminhos irrefreáveis da migração.
A regulação do comércio de forma a evitar nocivas guerras comerciais e práticas imperiais. As manifestações de fanatismo e nacionalismo extremados como expressão da revolta contra a exclusão social. As guerras localizadas e crônicas e a ameaça de guerras totais. A agressão ao meio ambiente. As espécies ameaçadas. A necessidade da repressão à exploração do trabalho e à busca de alternativas ao desemprego estrutural.
A falta de um planejamento familiar democrático e a existência de políticas de controle demográfico genocidas ou expansionistas ou mesmo de controle sobre nações ou grupos étnicos. O consumismo egocêntrico, insaciável e destrutivo, impulsionado pelo materialismo, pela propaganda e pelo modelo de vida dos mais ricos. A restrição ao acesso às novas tecnologias. O controle sobre o capital financeiro internacional, que pode liquidar moedas, governos ou nações num piscar de olhos.
A utilização dos novos recursos e o enfrentamento dos novos/velhos problemas só podem ter uma solução global. Quais os possíveis cenários do nosso horizonte?
O primeiro é uma potência hegemônica (EUA, Japão...) sozinha ou coligada conseguir consolidar o seu domínio e construir um império planetário, impondo econômica e militarmente sua "Pax Romana". Pode inclusive aprofundar uma já existente tutela sobre a ONU e usá-la como biombo para sua dominação. É claro que existirão os rebeldes, e os conflitos seguirão mais ou menos intensos dentro do império.
O segundo é o da divisão da Terra em vários blocos de países coligados, que disputarão os mercados numa terrível guerra econômica. Alianças e disputas entre os blocos poderão degenerar para a disputa militar de efeitos dramáticos. Países inconformados tentarão sobreviver fechando-se em suas fronteiras ou tentando blocos alternativos. A ONU será superada pelas articulações regionais, tornando-se inútil.
O terceiro cenário é a construção por múltiplos caminhos de uma Federação Democrática Mundial. É um aprofundamento do trabalho importante, porém incipiente, feito pela ONU e pelos mercados comuns regionais. Teremos um Parlamento mundial, uma corte de justiça para problemas globais, um aparato executivo, com forças de paz controladas pelo Parlamento mundial, e uma sociedade civil mundial, inclusive com suas ONGs. Ou seja, uma ONU democratizada. Um Estado federativo de novo tipo.
Isso seria o fim dos Estados nacionais? Não. Eles seriam os pilares centrais do sistema federado de nações, porém com funções condicionadas a normas universalistas nacionais. É o único mecanismo civilizado e civilizador, capaz de evitar a destruição das culturas nacionais e das minorias pelas violentas forças selvagens do puro jogo de mercado, já desencadeado e potencializado pelas novas tecnologias de comunicação e transporte e pela capacidade destrutiva do sistema financeiro.
Dia 27/6, aprovamos na Comissão de Relações Exteriores da Câmara resolução dirigida ao presidente da República para que o Brasil proponha à ONU a realização, em 1999, de uma Conferência Internacional sobre a governabilidade mundial.
Idealismo? Sim, porque é por meio dele que se inventam e depois se concretizam algumas das significativas criações do homem. Para nossa felicidade, porém, forças materiais parecem também se mover nessa direção, o que ajuda bastante.
A globalização, a mundialização, ou como se queira chamar, é um fato. Um fenômeno irreversível, com efeitos danosos para os mais fracos já há muito denunciados, mas, ao mesmo tempo, com potencialidades positivas capazes de produzir alternativas que nos elevem a um novo patamar civilizatório. O nosso desafio é navegá-lo com propostas capazes de gerar consensos superiores, nacionais e internacionais, de forma a construir uma administração comum na nossa Terra.

Eduardo Jorge, 46, é deputado federal pelo PT de São Paulo. Foi líder do partido na Câmara dos Deputados (1992) e secretário da Saúde do município de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

Luiz Gushiken, 46, é deputado federal pelo PT de São Paulo e membro titular da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Foi presidente nacional do partido (1989-90).

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