São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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De olho na BM&F

CELSO PINTO
DE OLHO NA BM&F

Gustavo Franco, diretor da Área Externa do Banco Central, acha que a lição a tirar da turbulência no mercado de câmbio, quarta-feira, é que os mercados futuros foram longe demais sem uma maior regulação.
As razões que levaram ao nervosismo, a seu ver, eram menores. O episódio só tomou uma dimensão maior porque foi amplificado no mercado futuro de câmbio da Bolsa de Mercadorias e de Futuros, a BM&F.
Franco lembra que, como uma fração do valor do contrato, uma instituição financeira pode alavancar posições gigantescas no mercado futuro, forçando o BC a intervir pesadamente no mercado pronto para contrabalançar. O fato de a BM&F permitir que cada instituição possa ter até 25% do total de cada tipo de contrato e o expediente de grupos usarem diferentes empresas para ampliar ainda mais suas posições, acabam dando muito poder individual de influir nos preços.
O fenômeno não é novo: em todo mundo, os mercados futuros de derivativos têm encurralado as autoridades monetárias. Em 92, na Europa, BC após BC teve que ceder à especulação do mercado. Franco acha, contudo, que o problema é novo no Brasil e poderia ser minimizado com maior regulação.
Não está claro se cabe ao BC ou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) cuidar da BM&F, mas ele garante que "nenhum dos dois está contente em deixar a regulação solta". Ele até admite que o mercado, em parte, foi empurrado por dúvidas sobre fundamentos da política econômica, não só por fofocas. Recusa, contudo, a crítica do mercado de que o BC demorou demais para intervir e acalmar os ânimos.
Cavallo e o FMI
Há fortes indicações de que a missão do FMI que desembarca segunda-feira em Buenos Aires vai olhar com simpatia o pedido argentino para afrouxar as metas fiscais para este ano. Até porque, pelo que disseram economistas do Fundo a uma fonte, em Washington, foi a insistência do ex-ministro da Economia, Domingo Cavallo, que levou à fixação de metas muito rígidas.
A meta acertada com o FMI prevê um déficit público de US$ 2,5 bilhões (cerca de 1% do PIB) para todo o ano, mas este valor acabou sendo atingido já no primeiro semestre. Parece grave, mas existem atenuantes.
Para países de inflação baixa, o Fundo trabalha com o conceito de "déficit estrutural", que é o déficit do setor público, descontado o efeito cíclico. Quando a economia está em queda, como na Argentina hoje, é natural que o déficit público seja um pouco maior, dada a queda de receita. Quando está crescendo, o déficit deve ser menor, para compensar.
O déficit estrutural da Argentina, hoje, seria de 0,5% do PIB, nas contas do Fundo. Nada, portanto, muito preocupante. O déficit medido de forma mais ampla, considerando o valor consolidado dos fundos de pensão, chegaria a 3,1% do PIB, segundo o FMI. No entanto, ele embute um componente transitório. Ao mudar o sistema de previdência no país, o governo argentino responsabilizou-se por despesas que são temporárias. Aumentam o déficit corrente, mas não o déficit estrutural.
Cavallo teria insistido em fixar metas fiscais mais duras, talvez como uma forma de usar a desculpa da pressão externa para conseguir aprovar novos pacotes de contenção fiscal. A política fiscal é a principal variável de política econômica na Argentina porque o sistema de conversibilidade acabou com a autonomia da política monetária: a moeda cresce ou cai, automaticamente, conforme a variação das reservas externas.
O acordo com o FMI, como usual, tornou-se ponto de referência para o julgamento da economia argentina e a boa vontade do Fundo será crucial para dar espaço ao novo ministro da Economia, Roque Fernández. Algo terá que ser feito na área fiscal, mas seria difícil fazer ajustes drásticos imediatos.
O que o Fundo não endossa é a previsão de Cavallo, repetida por Fernández, que a economia argentina crescerá 4 a 5% este ano. O número do Fundo é algo em torno de 2,5%, mais condizente com previsões de economistas independentes.
Crucial, para a Argentina, é contar com a economia brasileira crescendo e com câmbio real estável. As exportações argentinas para o Brasil cresceram 30% em 94 e 50% em 95, quando significaram 26% do total das exportações. O salto das exportações para o Brasil explica 36% do crescimento das exportações em 95.
Guinadas no Brasil poderiam ser mais danosas, para a Argentina, do que foi a queda de Cavallo.

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