São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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Governo é 'débil', diz amigo de FHC

EMANUEL NERI

EMANUEL NERI; AUGUSTO GAZIR
ENVIADO ESPECIAL A CHIAPAS

Sociólogo francês Alain Touraine está em encontro da guerrilha mexicana

Amigo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo francês Alain Touraine disse que o governo brasileiro é "débil", precisa de mais poderes e que o PSDB "é uma pura merda e não existe como partido".
Touraine fez a declaração, em espanhol, em um acampamento da guerrilha Exército Zapatista de Liberação Nacional, em La Realidad, a 1.400 km da Cidade do México.
Ele está participando do Encontro pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo, promovido desde sábado pelo EZLN, do qual participam mais de mil estrangeiros.
Na entrevista, o sociólogo estava com os pés cobertos de lama. Faminto, comia atum com pão doce.
Após falar sobre o EZLN, Touraine comentou sobre o Brasil: "O sistema político do Brasil é débil. O presidente tem poucos poderes".
Para Touraine, o país "necessita do fortalecimento de seu poder central". Criticou a "aliança ambígua" feita por FHC com partidos conservadores para se eleger.
Elite paulista
Segundo Touraine, a aliança que elegeu FHC não chegou a ser "catastrófica", porque tinha como base a manutenção do estado de Direito no Brasil. Mas, segundo ele, FHC começa a perder apoio de parte da "oligarquia que o elegeu, como a elite empresarial paulista".
Em seguida, fez a crítica ao PSDB, ao falar da fragilidade da base política do presidente.
O porta-voz da Presidência, Sergio Amaral, disse que FHC não acredita que os comentários de Touraine tenham sido feitos da maneira relatada pela imprensa.
"Seria preciso ver a transcrição para saber quais foram os comentários", afirmou Amaral. "Possivelmente, alguns desses comentários estão fora de contexto."
Desafios
Touraine disse que FHC está diante de três grandes desafios. O primeiro é a manutenção do estado de Direito. "Que não se mate mais gente, como no Pará", disse, referindo-se ao massacre de 19 sem-terra, em maio passado.
"Isso é totalmente inaceitável", afirmou. Touraine disse ter conversado com FHC sobre o episódio, e que o presidente responsabilizou a Polícia Militar do Pará.
O segundo desafio para FHC, disse, é o fortalecimento do poder central do Estado. Quer mais poder para FHC. Por último, defende menor desigualdade social.
"O Brasil não pode continuar sendo o campeão em desigualdade social", disse. "O Brasil, no momento atual, tem mais miséria do que o México", afirmou.
Por último, Touraine criticou o PT. Apesar de dizer que Lula foi um fator "positivo" para o movimento sindical, afirmou: "O PT não existe como partido. É uma série de facções e é tão débil quanto o governo". Gilberto Carvalho, secretário de comunicação do PT, estava sentado ao seu lado.
Zapatistas
Touraine disse ter ficado "emocionalmente envolvido" com os zapatistas. "Encontrei aqui uma capacidade inovadora na busca de soluções", afirmou. Ele não considera os zapatistas guerrilheiros.
"Eles só foram guerrilheiros por quatro dias", disse, sobre o período de confronto entre o EZLN e os militares, em janeiro de 1994.
Touraine disse que as mudanças no México, como a reforma eleitoral, são feitas graças às pressões dos zapatistas. Acredita que o movimento fará "transição rápida da luta armada para a política".
Mais tarde, o subcomandante Marcos, líder do EZLN, negou essa transição. "Nós não vamos ser um partido para disputar eleições, que no México não são livres."
Repressão
Marcos previu que o governo mexicano deve "endurecer" a repressão a eles, caso não haja apoio internacional ao movimento.
"O governo está esperando nosso desgaste para dar o golpe final", disse, ao lado da ex-primeira-dama da França Danielle Mitterrand.
Acordo de cessar-fogo fechado no início do mês passado determina que o congresso dos zapatistas não sofrerá ataques. O EZLN teme ofensiva após o encontro.

Colaborou Augusto Gazir, da Sucursal de Brasília

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