São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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'Ricardo 3º' oferece ação hollywoodiana no lugar de belos versos

KEVIN JACKSON
DO "INDEPENDENT ON SUNDAY"

O romancista Gilbert Adair uma vez escreveu um artigo confessional sobre as dificuldades que sempre teve para entender os primeiros 15 minutos de uma peça de Shakespeare.
Aquelas cenas que mostram aristocratas de menor porte, sempre com nomes como Northumberland, Bushey ou Trelli, conversando de maneira elíptica sobre fatos que o espectador comum ainda não conhece.
Uma das duas peças de Shakespeare que se iniciam com uma grande citação (a outra é "Twelfth Night") é "Ricardo 3º".
Para contornar o problema, Ian McKellen (ator e roteirista) e Richard Loncraine (diretor) preferiram, em sua vívida, amarga e idiossincrática versão, adiar a conhecida observação de Ricardo sobre as estações do ano por dez minutos.
No lugar de retórica, eles nos oferecem um tanque de guerra atravessando paredes de uma casa, soldados usando máscaras de gás e homens arremessados em direção à morte por pistolas automáticas.
A violência que se seguirá nas próximas duas horas do filme não será menor. Quando não se apresenta como um típico filme de ação ("Duro de Recitar"?), o filme parte em direção aos outros gêneros do cinema popular.
Uma das cenas mostra Rivers (Robert Downey Jr.) em uma sessão de sexo oral que se converte em uma agonia mortal, com uma lâmina surgida debaixo da cama atravessando seu corpo. Você quase é capaz de acreditar que Freddie Kruegger poderá aparecer a qualquer momento.
Esse não é, talvez, o mais delicado filme de uma obra de Shakespeare já feito. Mas certamente é um forte candidato ao título de mais divertido.
Uma adaptação livre da montagem de Richard Eyre para o Teatro Nacional, "Ricardo 3º" se passa em um hipotética década de 30, na qual uma guerra civil acaba de terminar com a morte de Henrique 6º. Assim, o trono passa a ser de Eduardo 4º e de sua mulher nascida na América (Annette Bening).
Ainda que não vá tão longe quanto "O Planeta Proibido", que colocou "Tempestade" no espaço, essa versão é ainda uma ficção científica que trabalha com uma "história alternativa".
Algo como "The Man in the High Coast", de Phillip K. Dick. O filme parece um parente próximo da versão de Michael Radford para "1984".
O que consegue resgatar o filme de todo devaneio é a performance de Ian McKellen, que merece todos os superlativos existentes no léxico.
Mas é muito duro não sorrir ironicamente ao ver um monarca usurpado de seu trono, atacado pelas tropas inimigas e atolado em um carro gritando "Meu reino, meu reino por um cavalo".

Filme: Ricardo 3º
Produção: Inglaterra, 1996
Direção: Richard Loncraine
Com: Ian McKellen, Annette Benning, Robert Downey Jr.
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco de Cinema, Lumière e circuito

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