São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Entidade derruba versão sobre morte

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

Investigação feita pelo grupo Tortura Nunca Mais de Pernambuco sobre as circunstâncias da morte, em 1972, de Luís Andrade de Sá Benevides e Míriam Lopes Verbena, militantes do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), derruba a versão das entidades de defesa dos direitos humanos sobre o fato.
Até o surgimento da lei 9.140/95, que prevê o pagamento de indenização às famílias de mortos e desaparecidos políticos entre 1964 e 1979, divulgava-se que os dois esquerdistas tinham sido mortos, em Caruaru (cerca de 130 km de Recife), em consequência de confronto com a Polícia Federal (PF).
O livro "Dossiê dos Mortos e Desaparecidos", lançado este ano pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e pelos grupos Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e Pernambuco, é um exemplo disso.
O texto baseia-se no relato do historiador Paulo Cavalcanti, que integra o livro "O Caso eu Conto Como o Caso Foi".
Segundo Cavalcanti, Benevides e Míriam teria morrido após o carro em que se encontravam ter capotado durante perseguição promovida por agentes da PF.
Com base nesta versão, familiares do casal solicitaram a inclusão de seus nomes entre as vítimas das forças de segurança do regime militar com direito à indenização.
Para isso, precisavam apresentar à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, do Ministério da Justiça, documentação para comprovar que Benevides e Míriam foram mortos sob a guarda do Estado brasileiro.
A pesquisa promovida pelo grupo Tortura Nunca Mais de Pernambuco para levantar essas informações constatou que não existe nenhuma evidência de que os militantes tenham morrido após perseguição por agentes da PF.
Todos os indícios apontam para um acidente normal, sem a participação da polícia, segundo a entidade de direitos humanos. "Não há nada que prove ter havido perseguição ou assassinato", disse a presidente do Tortura Nunca Mais, Amparo Araújo.
Uma das evidências disso, de acordo com ela, é que os corpos foram entregues normalmente aos parentes, sem nenhuma restrição (o que na época não acontecia nos casos de militantes de esquerda mortos pela polícia).
"O procedimento foi o de um acidente. Tratou-se até da liberação do automóvel pela Polícia Rodoviária", afirmou.
Outra evidência é que outros militantes do PCBR não foram presos imediatamente, como seria normal em caso de estar havendo uma perseguição.
Isso porque, sabendo da morte dos dois, os companheiros de partido poderiam fugir e por isso deveriam ser presos logo.
As prisões das outras pessoas do PCBR ligados a Benevides e Míriam só começaram a ocorrer três dias após o 8 de março de 1972.
Também é apontado como evidência do acidente o fato de Míriam, que conduzia o carro, dirigir muito mal. Ela havia tirado carteira de habilitação cerca de quatro meses antes do capotamento.
"Na época, a impressão que nos ficou é que houve um acidente comum. Não tínhamos nenhuma evidência de perseguição policial", disse o deputado estadual Pedro Eugêncio (PSB), que em 1972 era do PCBR e conhecia o casal.
Segundo Amparo, do Tortura Nunca Mais, a versão do "Dossiê dos Mortos e Desaparecidos" foi incluída no livro "porque na época não dispúnhamos de informações suficientes".
Uma irmã de Benevides, Sônia, que mora no Rio de Janeiro, disse à Agência Folha, por telefone, que a família também não tem certeza sobre o que houve. Declarou que encaminhou o caso à comissão do Ministério da Justiça para que ele "seja esclarecido".

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