São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Euforia do coquetel provoca 'volta à farra'

AURELIANO BIANCARELLI
LUCIA MARTINS

AURELIANO BIANCARELLI; LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

Médicos alertam para risco de relaxamento na prevenção por causa do otimismo gerado por novos remédios

A euforia criada pelo "coquetel" anti-Aids recém-anunciado pode dificultar ainda mais as campanhas de prevenção. O alerta está sendo feito por médicos e profissionais que trabalham com educação entre adolescentes e grupos considerados de maior risco.
"Muitos amigos estão acreditando que a cura chegou", afirma o estudante e office-boy Hélio Roberto Silia, 16. "Pensando que acharam o remédio para a Aids, já falam em deixar a camisinha."
O coquetel é uma combinação de várias drogas. Estudos divulgados em Vancouver (Canadá), no mês passado, mostraram que essa combinação pode praticamente acabar com o vírus na corrente sanguínea, pelo menos no início do tratamento.
O médico Caio Rosenthal foi um dos primeiros a alertar para os possíveis descuidos na prevenção. "É preciso diminuir o entusiasmo para não haver relaxamento."
O infectologista David Uip concorda. "Esse otimismo pode não ser bom. As pessoas estão começando a achar que descobriram a cura e deixando de se cuidar."
Terezinha Pinto, que preside a Apta (associação que trabalha com prevenção e tratamento da Aids), diz que as mudanças estão sendo notadas nos trabalhos de rua.
Um dos voluntários que faz "plantão" em um bar da região central colheu o seguinte comentário: "Agora já tem cura, não precisa mais de camisinha".
Terezinha diz que a "cura" vem sendo comentada nos vários grupos com os quais a Apta trabalha. "No início pensamos que fossem comentários passageiros, mas agora estamos preocupados."
A mesma preocupação atinge o presidente do GIV (Grupo de Incentivo à Vida), José Araújo. "Esse coquetel é um barco de ilusões. Estou com medo porque isso pode levar a um desleixo, e as pessoas deixem de usar camisinha."
Outro problema apontado por Araújo é a depressão causada nos soropositivos depois que percebem que as drogas "não curam".
"Recebo muitos telefonemas de portadores que perguntam sobre esses novos remédios."
A socióloga Rose Munhoz, diretora de prevenção do CRT-Aids -órgão que coordena o programa de Aids do Estado-, não acredita que a euforia em torno do "coquetel" interfira nos trabalhos de prevenção. "Infelizmente, estamos em um estágio anterior. Ainda estamos tentando fazer com que as pessoas entrem em um processo educativo. Temos um longo caminho a percorrer", afirma.
O CRT-Aids trabalha com grupos de travestis, prostitutas, mulheres, presidiários e adolescentes. Na quinta-feira, lançou a cartilha "Fala Garota, Fala Garoto", destinada a adolescentes.

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