São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Globalização perigosa

LUCIANO COUTINHO

A globalização pode ser definida como estágio mais maduro da internacionalização -processo histórico que remonta ao século 19. O aspecto mais marcante desta nova etapa é a globalização financeira. Em pouco tempo formou-se um gigantesco mercado mundial de riqueza mobiliária cujo volume saltou de US$ 7 bilhões em 1983 para US$ 35 trilhões em 1995.
O sistema que prevaleceu até o fim dos anos 70 baseou-se na intermediação bancária que transformava as disponibilidades e poupanças privadas em créditos internacionais. Este sistema foi duramente golpeado pela crise da dívida nos anos 80. Em seu lugar surgiu um novo mercado de ativos financeiros, emitidos por governos deficitários (especialmente EUA), empresas, bancos, países emergentes; sendo esses ativos absorvidos por investidores institucionais, corretoras, bancos de investimento, bancos centrais.
Rapidamente este mercado ganhou profundidade e pronta liquidez, asseguradas pela existência de um enorme mercado secundário -e.g., os mercados mundiais de câmbio transacionam a fantástica soma de US$ 1,3 trilhão/dia, tornando aguda a volatilidade das paridades cambiais.
Nessas condições, a elevada mobilidade dos capitais pode causar variações abruptas dos preços dos ativos e taxas de câmbio, inflingindo graves perdas aos atores. Estes podem, em parte, suportar prejuízos, já que se trata de capital conscientemente aplicado a risco. Mas, a partir de certo ponto, as perdas podem se tornar insuportáveis, particularmente para aqueles que ofereceram os papéis que se desvalorizaram como garantia de outras operações. Para minimizar os riscos de perdas desenvolveram-se inovações através dos chamados derivativos -operações a futuro, de opção ou swap. O valor total destas operações ascende hoje à incrível cifra de US$ 40 trilhões.
O que preocupa é que qualquer "default", ainda que acidental, pode desatar desequilíbrios em cadeia do tipo efeito dominó e levar a uma crise financeira global. No seu recente relatório anual o BIS chama a atenção para a elevada fragilidade latente no sistema. Os sistemas bancários encontram-se abalados na maioria dos países, a Bolsa de Nova York derrapa e os investidores podem mudar de posicionamento, abandonando as aplicações de alto risco em mercados emergentes em busca de papéis mais seguros nos países centrais. Uma reversão deste tipo poderia causar desestabilização.
Países com elevado déficit em conta corrente e reservas voláteis, como o Brasil, seriam as primeiras vítimas. A globalização multiplicou tremendamente o volume da riqueza mobiliária e agravou a vulnerabilidade da economia real à volubilidade das expectativas. É chegada a hora de criar mecanismos ordenadores institucionalizados -a saúde financeira do mundo não deveria depender de arranjos improvisados, como foi o caso do pacote de salvamento do México, estruturado às pressas pelo presidente Clinton.

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