São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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TRECHO

"O regime nos coloca em situações de cativeiro"
Mas, enquanto uma Reforma do Ensino Primário, como a que nos deixou o governo findo, nos promete, - embora da sombra e da frialdade a que a condenaram - uma era nova, e de real importância, para a nossa nacionalidade, - o regime atual, que tanto tem invocado a Liberdade como sua padroeira, nos coloca nas velhas situações de rotina, de cativeiro e de atraso que aos olhos atônitos do mundo proclamarão, só por si, o formidável fracasso da nossa malograda revolução...
Há dois dias li um discurso de um líder da Legião de Outubro, em que o Sr. Francisco Campos é apontado aproximadamente como o salvador da liberdade brasileira - essa bela liberdade por que todos suspiramos, e que já nos está dando saudades dos tempos de antigamente...
Eu não quero discutir a Legião, porque seria desnecessário, uma vez que todos conhecem os moldes em que ela foi vazada, e as consequências do que pode vir de um produto de tal molde...
Mas, vejamos, pondo de parte as questões propriamente políticas, como estão sendo tratadas as questões educacionais, sob essa estranha orientação dessa estranha liberdade.
Num regime como o que desejamos, os homens adquirem sua liberdade por meio justamente da educação. É preciso facilitar-lhes a evolução, o desenvolvimento, as capacidades. Lugar para o talento! Lugar para os mais capazes! - como se bradava na Europa, depois da dura experiência da guerra.
Veio o Sr. Francisco Campos como o seu feixe de reformas na mão. E, em cada feixe, pontudos espinhos de taxas. Foi mesmo mais uma reforma de preços, que tivemos. E esperávamos uma reforma de finalidades, de ideologia, de democratização máxima do ensino, da escola única - todas essas coisas que a gente precisa conhecer, antes de ser ministro da educação...
Depois veio o decretozinho do ensino religioso. Um decretozinho provinciano, para agradar alguns curas, e atrair algumas ovelhas... Porque - não se acredita que nenhum espírito profundamente religioso - qualquer que seja a sua orientação religiosa - possa receber com alegria esse decreto em que fermentam os mais nocivos efeitos para a nossa pátria e para a humanidade.
Chama-se a isto ser liberal. Fala-se da legião como de um movimento de liberdade. Liberdade! Oh! mas, afinal sejamos coerentes. Façamos o déspota. Façamos o vizir. Façamos, de certo modo, o César do século XX. Mas conservemos a significação dos nomes! Um ministro que promove acordos ortográficos deve conhecer o sentido das palavras, de qualquer maneira por que estejam elas escritas."

Cecília Meireles. Trecho de artigo publicado em "Página de Educação", Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 6 de maio de 1931)

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