São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A revolução das crianças

MÔNICA RODRIGUES COSTA; LIDIA CHAIB
EDITORA DA FOLHINHA

LIDIA CHAIB
Quantos anos tem uma criança quando nasce? Quantos anos de construção social, biológica e genética? Essas perguntas estão no centro do pensamento de Jean Piaget, cujo centenário de nascimento será comemorado na próxima sexta-feira, dia 9. Não foi à toa que o diretor do Instituto de Psicologia da USP, Lino de Macedo, as destacou recentemente em sua conferência em São Paulo.
Piaget nasceu em Neuchâtel, na Suíça, e morreu em 1980, em Genebra. Dedicou-se a descobrir o mecanismo do pensamento -como o ser humano conhece a si mesmo, o mundo que o rodeia, e se torna capaz de criar a filosofia e a ciência. Ele lançou os fundamentos de uma nova visão sobre a inteligência e a infância, ao fazer da criança protagonista responsável da construção do conhecimento.
Hoje, abrem-se campos de investigação no desenvolvimento da inteligência. De que forma o uso das novas tecnologias e as pesquisas das ciências cognitivas influem nos estágios de desenvolvimento descritos por Piaget? É o que discutem, nesta edição do Mais!, pesquisadores da obra do pensador.
O nascimento da inteligência
Menino precoce, Piaget foi convidado, aos dez anos, a trabalhar no Museu de História Natural de sua cidade, onde etiquetava coleções de conchas. Aos 15 anos, publicava artigos sobre moluscos. Formou-se em biologia.
Em 1919, pesquisou o raciocínio verbal de crianças normais e deficientes. Em 1921, investigou a psicologia infantil no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, e elaborou os planos das pesquisas sobre o pensamento e a construção de sua epistemologia.
Piaget chegou à idéia do construtivismo a partir dos experimentos com crianças e adolescentes em laboratórios de psicologia e das observações em círculos familiares -registrava o que descobria sobre o aprendizado dos três filhos.
Observando o comportamento dos bebês, concluiu que as operações intelectuais são preparadas pela ação sensório-motora, mesmo antes do aparecimento da linguagem. Para Piaget, o bebê vive uma revolução tão notável do ponto de vista do desenvolvimento quanto a revolução de Copérnico para o desenvolvimento do pensamento humano.
O bebê realiza ações isoladas, como chupar, ouvir, tocar em coisas por acaso etc. Tudo está centrado no corpo da criança, que não tem consciência de si. Depois, ela passa a coordenar suas ações e constrói esquemas que podem ser generalizados de uma situação a outra. Percebe que os objetos têm existência própria e que seu corpo não é mais o centro. Essas mudanças, diz Piaget, "ocorrem antes que surja qualquer linguagem, o que demonstra até que ponto o conhecimento está ligado às ações e não só às verbalizações".
A descoberta levou Piaget a modificar seu método de pesquisa. Nos experimentos, além das conversas com as crianças, introduziu objetos, que elas manipulavam enquanto eram observadas. Dessa forma, investigou a relação entre a representação e o pensamento, a noção de conservação ou permanência dos objetos, a de conservação das propriedades físicas (peso, massa, volume) e as idéias de tempo, movimento e velocidade.
Piaget reuniu suas observações nos livros "O Nascimento da Inteligência da Criança" (1936), "A Construção do Real na Criança" (1937) e "A Formação do Símbolo na Criança" (1945). Em 1950, publicou "Introdução à Epistemologia Genética", em que expõe sua psicologia do desenvolvimento.
Quando começou as pesquisas sobre o pensamento infantil, apresentando às crianças problemas sobre os quais elas ainda não haviam pensado, Piaget e seus colaboradores esperavam respostas com diversidade infinita. Mas não foi isso o que o pensador suíço constatou. "O que me surpreende há 50 anos é que, na mesma idade, as crianças de um mesmo meio sempre dão as mesmas respostas."
Seus experimentos foram repetidos em sociedades diferentes, com crianças de vários níveis sociais, e um segundo fato surpreendente foi observado. Os estágios do desenvolvimento cognitivo descritos por Piaget mantinham a mesma ordem de sucessão, de modo que era necessário passar por uma etapa para chegar à seguinte. O que variava, de acordo com o meio social e cultural, era a idade para alcançar os estágios sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e hipotético dedutivo.
O pensador suíço dizia que a idéia central de sua epistemologia genética era, muitas vezes, mal interpretada. "Não sou nem empirista nem inatista, sou construtivista. Penso que o conhecimento é uma perpétua construção nova, por interação com a realidade."

Lidia Chaib é autora de "Ridículo de Péssimo" e "Cheio de Surpresas" (Ed. Scipione).

Texto Anterior: TRECHO
Próximo Texto: O possível e a novidade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.