São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Abusos de uma teoria

São muito comuns as aplicações ingênuas da teoria de Piaget

CÉSAR COLL
ESPECIAL PARA A FOLHA

A concepção construtivista do ensino e da aprendizagem é uma tentativa de oferecer uma explicação global, articulada e coerente de como os alunos e as alunas aprendem nas situações educativas e escolares e, muito especialmente, de como os professores e professoras podem contribuir para que seus alunos e alunas aprendam mais e melhor. A concepção construtivista do ensino e da aprendizagem tem na teoria genética de Jean Piaget um de seus pilares fundamentais.
Mas as idéias da teoria genética que fazem parte do núcleo explicativo básico da concepção construtivista são reinterpretadas, por um lado, e por outro, ampliadas e completadas, quando se leva em conta a natureza da educação escolar, das funções que ela cumpre nas sociedades atuais e das características próprias e específicas das situações e atividades escolares de ensino e aprendizagem.
O contexto escolar A explicação genética do processo de construção do conhecimento e dos processos de aprendizagem não pode ser extrapolada para o contexto escolar sem mais nem menos.
Muitos dos fatores e das circunstâncias que caracterizam o que significa aprender e ensinar na escola não foram levados em conta pela teoria genética, entre outras razões porque a teoria genética não é, não pretende ser e, a meu ver, não pode aspirar a ser, uma explicação dos processos escolares de ensino e aprendizagem.
Isto não supõe, de forma alguma, um juízo crítico de valor da teoria genética. Mas o supõe das tentativas de aplicação direta da teoria genética ao ensino escolar.
A teoria genética é um dos ingredientes fundamentais na elaboração de uma explicação construtivista genuína dos processos escolares de ensino e aprendizagem, mas não poderá levar essa tarefa a cabo sozinha.
É preciso repensar os princípios explicativos oferecidos pela teoria genética a partir de uma análise dos fenômenos e processos educativos, e completá-los com as contribuições de outras teorias e outras disciplinas -por exemplo a sociologia, a didática, a antropologia etc.-, que lançam luz sobre fatores, dimensões e aspectos dos fenômenos e processos educativos não contemplados pela teoria genética tal qual foi elaborada por Piaget e seus colaboradores, que não os contemplaram porque isso não faz sentido em seu programa original de pesquisas.
Uma concepção construtivista do ensino e da aprendizagem se articula em torno de uma série de princípios explicativos da natureza e das funções da educação escolar, sobre as peculiaridades do processo de construção do conhecimento na escola, sobre os processos psicológicos subjacentes à construção do conhecimento escolar e sobre os mecanismos de influência educativa, ou seja, sobre como os professores conseguem, quando o conseguem, promover e orientar o processo de construção do conhecimento de seus alunos.
Esta enumeração destaca o fato de que suas contribuições, apesar de absolutamente decisivas, não são suficientes para articular uma explicação global dos processos escolares de ensino e aprendizagem.
Assim, por exemplo, é apenas mediante um ato de extrapolação abusiva que se pode pretender derivar da teoria genética um pronunciamento rigoroso e solidamente fundamentado sobre a natureza e as funções da educação escolar, sobre os mecanismos de influência educativa ou, ainda, sobre as peculiaridades do processo de construção do conhecimento na escola.
O erro dogmático Infelizmente, as extrapolações abusivas, as aplicações ingênuas e dogmáticas da teoria genética à educação escolar, têm sido, a meu ver, mais frequentes do que teria sido desejável.
Na busca de explicações dos processos escolares de ensino e aprendizagem, a teoria genética é um ótimo -eu diria até que necessário- ponto de partida para a indagação, mas não é, de forma alguma, um ponto de chegada, uma teoria que possa ser aplicada sem mais nem menos para explicar a educação, e muito menos ainda para receitar o que precisa ser feito na educação escolar.

Tradução de Clara Allain

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