São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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O BC deve ser autônomo?

CELSO PINTO

Existem dois equívocos frequentes e opostos na discussão sobre a independência do Banco Central. O primeiro, comum entre os políticos, é achar que isso transferiria decisões econômicas sensíveis para as mãos de tecnocratas não-eleitos. O segundo, mais usual entre economistas, é supor que a independência do BC é garantia de inflação baixa.
No momento em que a discussão sobre a independência do BC está esquentando no Congresso, é importante separar os mitos da realidade. O próprio BC ajudou nessa direção, ao organizar, há duas semanas, um excelente seminário em Brasília sobre seu futuro.
O temor em relação ao poder do BC não é casual, como lembraram Andrew Crockett, diretor-geral do BIS (o banco central dos bancos centrais) e Charles Goodhart, professor da London School of Economics e um dos mais respeitados especialistas na área em todo o mundo.
Nos anos 50 e 60, a política econômica era liderada pela política fiscal, inspirada por Keynes. Cabia ao BC fazer a política monetária acomodar-se aos objetivos fiscais, gerando liquidez, garantindo juros baixos e, com isso, ajudando o crescimento.
Essa percepção mudou dramaticamente nos países desenvolvidos com a descoberta, nos anos 70, de que mais inflação não significava, necessariamente, mais crescimento. Para Crockett, o estado da arte da economia é capaz de provar empiricamente que taxas anuais de inflação superiores de 7% a 8% prejudicam o crescimento. Ainda que, infelizmente, isso não signifique que uma inflação abaixo desse nível garanta, necessariamente, o crescimento.
A mudança na análise econômica levou a uma guinada na definição do papel dos BCs. Passou a haver um largo consenso, entre os países desenvolvidos, de que a maior contribuição do BC ao crescimento seria garantir uma baixa taxa de inflação. Fixado o objetivo inflacionário, a política fiscal é que passou a se adaptar a ele.
Como ninguém, a começar pelos políticos, gosta de juros altos e restrição monetária, o novo papel do BC tornou-o mais vulnerável a pressões e críticas políticas. Mas qual deve ser, exatamente, sua autonomia?
O BC deve ser independente, diz Crockett, para cumprir seu objetivo em relação à inflação. Quem deve definir o objetivo, contudo, não é o BC, e sim o governo eleito, influenciado pelo Congresso. O BC deve ter, apenas, autonomia operacional para executar sua tarefa.
Ao fazer isso, a sociedade "não está dando poder ao BC, está delegando responsabilidade", segundo Goodhart. Como sempre há uma boa razão para gastar um pouco mais, fixar um objetivo de inflação ao BC e dar a seus diretores mandatos que os livrem de pressões políticas é, no fundo, uma forma de obter resultados mais eficientes.
As metas, contudo, devem sair da sociedade, não do BC. Nos países europeus, por exemplo, a meta mais comum é ter uma inflação de 2% ao ano.
No caso do Chile, contudo, que tornou seu BC independente em 1989, o objetivo tem sido o de reduzir gradualmente a inflação, evitando, ao mesmo tempo, descontrole nas contas externas. O sucesso tem sido enorme: a inflação caiu de 20% ao ano para 6%, as metas foram rigorosamente cumpridas a cada ano e o déficit externo em conta corrente manteve-se dentro do programado.
Isso não quer dizer, no entanto, que a independência do BC, em si, garante a queda da inflação, lembrou Goodhart. Estudos mostram que países com BCs independentes podem se dar tão bem quanto países em que o BC é subordinado ao Executivo.
O verdadeiro ingrediente que diferencia o resultado é a credibilidade da política econômica e do próprio BC. No caso do Chile, com uma política bem-sucedida desde meados dos anos 80, a independência do BC pode ter dado o empurrão final para derrubar a inflação, que só começou a cair sistematicamente depois de 89. No entanto, o BC só consolidou rapidamente sua credibilidade porque herdou a credibilidade da equipe econômica.
Moral da história? A independência do BC, colocada como liberdade para cumprir metas de governo, é desejável e pode ajudar. Ela só trará bons resultados, contudo, se um BC independente operar como peça de um governo capaz de agir com clareza, competência e credibilidade.

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