São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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Algo de incurável

ANDRÉ LARA RESENDE

Há cadáveres demais no noticiário. Talvez tenha sido esse excesso que me levou a passar batido pela reabertura do tema da guerrilha e da tortura. Mas na semana passada li a entrevista de Carlos Eugênio Paz à "Veja". Seu livro chega às livrarias esta semana. "Viagem à Luta Armada", como diz o subtítulo, são memórias romanceadas. As memórias não li, mas a entrevista impressiona.
Carlos Eugênio conta que decidiu num pequeno grupo a sorte de um companheiro que dava sinais de fraqueza. Votou pela execução, comunicou-lhe a deliberação e atirou. Aos 17 anos participou do primeiro assalto, aos 23 exilou-se depois de matar, entre outros, seu companheiro.
Corpos destroçados, mortos a coronhadas, mães torturadas -uma guerra suja. Nada que não se soubesse, nada de novo sob o céu, e nada que não se repita. Os tempos exigem... sentenciaram os executores de um companheiro fraco. Os tempos exigiam, continuamos a ler hoje nas entrelinhas das declarações de lado a lado. Mas se os tempos já exigiram, podem voltar a exigi-lo. Ou talvez já não seja preciso.
O noticiário conta ainda que assaltantes em São Paulo torturaram uma senhora e, diante da insistência em afirmar que não havia cofre na casa, atearam fogo em seu marido de 72 anos. Saíram com R$ 300. É diferente, poder-se-ia protestar: não há aqui o objetivo maior, a justificativa moral que dá tinturas de heroísmo à violência e à barbárie. Tempos modernos: sem no que acreditar, sem grandes objetivos, sem as grandes utopias, as justificativas são mais mesquinhas, mas a maldade segue seu curso.
O banditismo é o heroísmo dos novos tempos: sem no que acreditar, é apenas existencialmente perverso.
Não é de estranhar que haja um renovado interesse pelo demônio, o Príncipe das Trevas. A mesma edição da "Veja" traz um belo ensaio de Roberto Pompeu de Toledo sobre a atualidade de satanás.
Eu acabara de ler o livro de Elaine Pagels, "As Origens de Satanás", citado por Pompeu de Toledo.

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