São Paulo, quinta-feira, 8 de agosto de 1996 |
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Que dinheiro é esse?
MOACYR SCLIAR
- Já não era sem tempo -respondeu o homem. - Faz dois anos que a gente não vê a cor da grana. O prefeito sorriu, contrafeito: - Sei disso. E é por essa razão que fiz questão de lhe pagar pessoalmente. É uma espécie de indenização moral. Aqui, neste envelope, está o seu salário. O velho servente abriu o envelope, olhou as notas que ali estavam com espanto e desconfiança: - Que dinheiro é esse, seu prefeito? O senhor está querendo enganar a gente de novo? O prefeito riu: - Que é isso, seu Libório? Esse aí é o dinheiro novo do Brasil, o real. O senhor não sabe que o cruzeiro não existe mais? - Disso eu sabia. Mas ainda não tinha visto esse tal de real. Como é que ia ver, se o senhor não paga os nossos salários? - Tem razão. Mas agora aí está, o seu salário, em real. O que me diz? O homem olhava as notas, a testa franzida: - Não sei. Me parece muito pouquinho. Antes vinham mais notas, mais moedas. - Mas é que o real é moeda forte. O real vale tanto quanto o dólar. O senhor não ouviu falar em dólar? - Claro. Já vi nos filmes. - Pois é. Agora é como nos filmes. O dinheiro agora é dinheiro. Ainda hesitante, o servente tirou o dinheiro do envelope, contou-o, meteu-o no bolso. Dirigiu-se para a porta e já ia sair, quando algo lhe ocorreu e ele voltou: - Prefeito, o senhor diz que esse tal de real é igual ao dólar? - Igualzinho. - Então... Não me levando a mal, o senhor não podia me pagar em dólar? Não é por nada, não, mas o dólar pelo menos eu ouvi falar. Agora, esse real que o senhor está usando -só mesmo pagando pra ver, sabe? Texto Anterior: 600 mil crianças morrem por ano na América Latina Próximo Texto: Relatório aponta licitação irregular Índice |
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