São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Abuso da liberdade de expressão

SUELI CARNEIRO

Sim! Inegavelmente sim, definitivamente sim. Porque o racismo é um crime de lesa-humanidade incompatível com todos os valores, direitos e deveres capazes de assegurar qualidade e humanidade à vida em sociedade.
Porém, e lamentavelmente, alguns formadores de opinião estão promovendo um verdadeiro linchamento moral de pessoas e organizações negras que se utilizam dos poucos instrumentos jurídicos existentes para combater o racismo neste país.
A liberdade de expressão assegurada constitucionalmente garante à Sony e ao Tiririca todo o direito de colocar no mercado 300 mil cópias de um produto com várias referências depreciativas sobre as mulheres negras. A mesma Constituição nos confere o direito à preservação de imagem, a coibir o abuso no exercício da liberdade de expressão e a prática do racismo. Deliberar sobre essas ações é responsabilidade da Justiça.
É da natureza da democracia que a liberdade e o direito de cada um sejam limitados pelos dos outros. Mas, se a mídia defende a primazia do direito de expressão sobre os demais, ainda que este atinja a imagem, a dignidade e a auto-estima das pessoas, contrariando o próprio espírito da democracia, então que a mídia lute para mudar a lei, não nos acuse de censura por utilizá-la.
Outros preferem ver palhaçada onde há racismo, discriminação, intolerância ou falta de respeito para com a diferença.
Para esses é preciso lembrar que historicamente essas atitudes, ao invés de provocarem grandes gargalhadas, produziram, em passado não muito distante, alguns dos dramas mais trágicos da humanidade, como a escravidão dos negros, o extermínio de nações e povos indígenas, o holocausto dos judeus ou, atualmente, os massacres de sérvios, croatas, muçulmanos, tutsi, hutus, zulus, shosas, alguns dentre os vários conflitos étnicos/raciais e religiosos que se encontram no ar em horário nobre pelo mundo.
Por isso estamos seguros: quando o humor depende do racismo, da discriminação ou do preconceito para ser engraçado, é porque faltou talento e competência, mas sobrou oportunismo e irresponsabilidade.
Por fim, para aqueles que perguntam por que Lamartine Babo ou Noel Rosa não foram processados, lembramos também que os tempos mudaram, e a consciência humana e a consciência negra avançam neste país e no mundo de forma irreversível, repudiando cada vez mais práticas discriminatórias e sua impunidade. A recorrência à lei é, embora das mais democráticas e civilizadas, apenas uma das maneiras de enfrentar o racismo.

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