São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Cestas e urnas

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nove milhões de cestas básicas serão distribuídas neste segundo semestre pelo caridoso governo de FHC. Nos seis primeiros meses, apenas um milhão e meio do pão dos pobres alegrou a quermesse neoliberal. Por coincidência, é no segundo semestre que haverá eleição, mas erra quem procurar nexo entre a cesta e a urna.
Por coincidência, os Estados mais favorecidos pela caridade governamental serão a Bahia (PFL) e Ceará (PSDB), mas labora em erro quem atribuir essa concentração de piedade ao condenável processo de subornar o eleitor de baixa renda com o alto teor de proteínas do fubá e da farinha -peças de sustentação das franciscanas cestas.
Somente a má-fé, a obtusidade da vanguarda do atraso poderá concluir que há conotação eleitoral na dádiva governamental aos necessitados. Isabel, rainha e santa, escondia pão no avental para distribuir aos famintos. Os guardas a surpreenderam roubando pão da despensa real, era proibido roubar e era proibido dar pão a quem não tivesse competência para ganhá-lo -o rei era neoliberal sem saber.
Reza a lenda que a rainha abriu o avental e em vez de pão havia rosas -foi o milagre das rosas de santa Isabel. Não sei se FHC usa avental em casa, mas se for surpreendido em situação parecida, o milagre será às avessas: as cestas básicas se transformarão em urnas do Tribunal Eleitoral. Ele precisa armar o tabuleiro para o lance definitivo, a obra fundamental de seu governo, que é a reeleição dele mesmo.
Ainda bem que a arena, no segundo semestre, será municipal. Nove milhões de cestas com fubá e farinha não custam nenhuma fábula. Se não apodrecerem no caminho, aumentarão o nível de calorias dos brasileiros carentes. Depois de outubro, serão outras as calorias necessárias e custarão bem mais caro ao país e à vergonha de todos nós.

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