São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 1996
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A crise venezuelana - 1

LUÍS NASSIF

Talvez não haja país na América Latina em que as afinidades com o Brasil sejam tão claras quanto na Venezuela. Não só pela mistura racial, pela música extraordinária de Antônio Lauro e por uma admiração tão completa (e inexplicável) pelo Brasil que fez Caracas parar para comemorar o tetracampeonato de futebol.
Mas também pelas lições no processo de abertura econômica e pelas crises políticas que esse processo desencadeou, provocando o impeachment de um presidente -completado por uma crise bancária que levou de roldão 50% do sistema financeiro nacional, custou o equivalente a 18% do PIB (no Brasil, seria algo em torno de US$ 110 bilhões), arrasou as reservas internacionais, fez explodir a inflação e catapultou o desemprego formal para 18%.
Foi uma soma tão formidável de erros sucessivos que sua análise serve apenas para tirar lições de como não repeti-los.
Erro no discurso
A decadência da Venezuela começou em 1983, depois de breve período de bonança proporcionado pela elevação dos preços internacionais do petróleo. Ainda hoje, o petróleo responde por 55% do PIB local.
Ex-presidente do país, em 1989 Carlos Andrés Pérez foi reeleito tendo por plataforma uma agenda modernizante. Encontrou uma economia estagnada, mas com a modernização sendo transformada no bicho-papão do tal do "neoliberalismo" pela esquerda local.
Quatro anos depois, Pérez tinha sido "impichado", após seu governo enfrentar uma manifestação popular trágica (o "caracazo", que resultou em 300 mortos e mais de 3.000 feridos) e duas tentativas de golpe militar.
Seu erro básico foi tentar conduzir as reformas de maneira tecnocrática, sem se dar conta de que o processo só seria irreversível com a adesão e a mudança de cabeça da opinião pública.
Com menos de 20 dias de governo, sua proposta de aumento do Imposto sobre Valor Agregado levou ao trágico "caracazo" -com a população sendo manipulada por lideranças que atribuíam a decadência do padrão de vida local a um programa de governo que mal se iniciara.
Neopopulismo
Durante todo o seu governo, o Congresso não forneceu a Pérez instrumentos básicos de governabilidade -especialmente o IVA e a nova Lei dos Bancos, que lhe teria permitido sanear a banca, evitando a grande crise sistêmica de 1994.
Deposto Pérez, seguiu-se breve período de interinidade, que culminou, nas eleições seguintes, na vitória do candidato Rafael Caldera, homem de grande respeitabilidade moral, mas um populista "itamariano".
O governo Caldera acabou refém e vítima do mesmo discurso antimodernizante que ajudou na derrubada de Pérez -mostrando que não entender e resistir à globalização é apenas adiar um desfecho inevitável.
O impeachment levou o Congresso a conceder apoio incondicional ao novo presidente.
Caldera teve a oportunidade de instituir o imposto capaz de melhorar as finanças públicas e a lei bancária pronta e acabada.
Em vez de agir responsavelmente, abriu mão do imposto e resolveu intervir violentamente na banca, ordenando o fechamento do Banco Latino -o segundo maior do país, que era ligado ao esquema Pérez.
O resultado foi a crise bancária, com todas as consequências apontadas.
Hoje, o governo Caldera empenha-se em reconstruir o país. As palavras de ordem são abertura, globalização e reformas -englobadas em uma "Agenda Venezuela", negociada com o FMI.
Semanas atrás, conseguiu aprovar lei aumentando impostos. E seus ministros respiravam aliviados por não terem sido vítimas de um novo "caracazo" -que muitos deles ajudaram a estimular com seu discurso.
As reformas são conduzidas por lideranças de esquerda -como o ministro do Planejamento, Teodoro Petkoff, um furacão que faz parte da esquerda histórica do continente, cuja palavra de ordem é "encolher o Estado para torná-lo mais eficiente".

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