São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 1996
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Problema ainda não resolvido

HÉLIO BICUDO

Em 16 de julho, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o substitutivo aprovado pelo Senado ao projeto de lei da Câmara nº 13/96. A redação final encaminhada ao presidente da República para sanção foi desvirtuada pela pressão das Justiças Militares estaduais e pelas polícias militares, contendo imperfeições técnicas e limites materiais que não foram intencionalmente corrigidos por ambas as casas do Congresso.
Pelo projeto aprovado, a Justiça comum somente terá competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civil, não fazendo distinção entre crimes militares praticados por membros das Forças Armadas e integrantes das polícias militares.
Dentre os crimes qualificados como dolosos contra a vida, situam-se o homicídio, o infanticídio, o aborto e o induzimento ao suicídio, sendo que esses três últimos não estão previstos no Código Penal Militar, aplicando-se, portanto, subsidiariamente o Código Penal.
Permanecem sob a jurisdição da Justiça Militar, além dos crimes cometidos contra a autoridade militar e a disciplina militar, os crimes contra a pessoa, como o homicídio culposo, a lesão corporal, os espancamentos, o constrangimento ilegal e os crimes cometidos contra o patrimônio, dentre outros. Vê-se, pois, que a competência da Justiça Militar permanece, na sua essência, intacta.
Por outro lado, como inexistem "inocentes" no Parlamento brasileiro, como, aliás, em qualquer Parlamento, desde a emenda aglutinativa vencedora na Câmara, de autoria do então líder do PMDB Genebaldo Corrêa, buscou-se inviabilizar o projeto, quando se deixou de distinguir entre crimes militares praticados por membros das Forças Armadas e delitos cometidos por PMs, contando, naturalmente, com a intervenção dos ministros militares, que, apanhados como Pilatos no credo, não poderiam concordar com a solução dada, constrangedora de suas atividades no cumprimento de suas atribuições.
O projeto incorre em inconstitucionalidade flagrante ao estabelecer que, nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, caberá à Justiça Militar a remessa dos autos do inquérito policial militar à Justiça comum.
Com isso, o inquérito permanecerá sob a responsabilidade da autoridade policial militar, mesmo em se tratando de crime doloso contra a vida, que, pela alteração contida no próprio projeto, é da competência da Justiça comum. Assim, o dispositivo afronta o art. 144, 4º, da Constituição, que define a competência das polícias civis para o exercício das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, conduzindo o inquérito civil que dará suporte à ação penal perante a Justiça comum.
Na verdade, o projeto, tal como subiu à sanção, despreza claras normas constitucionais a propósito da definição do que seja um delito militar. Tem, por outro lado, defeitos substanciais e formais que não lhe dão as perspectivas objetivadas pelo Plano Nacional de Direitos Humanos quando propõe a transferência -como medida saneadora da violência policial- da competência das Justiças Militares das PMs para a Justiça comum, no processo e julgamento dos crimes de policiamento, considerado este como atividade eminentemente civil.
Mas também é verdade que, sancionado o projeto, passam desde logo, dentre outros, para a Justiça comum os crimes do Carandiru, de Corumbiara e Eldorado do Carajás. Daí ter sido a sanção uma natural opção política, diante da opinião pública nacional e internacional.
É claro que a opção feita, pela sanção, não põe termo à questão, pois se faz de mister, de um lado, a exclusão da Justiça Militar das Forças Armadas da equação, imposição de tradição sedimentada no processo e julgamento de crimes propriamente militares; e, de outro, o alargamento da competência da Justiça comum para abranger, sem exceção, os crimes praticados nas atividades de policiamento, como consta de novo projeto, de nossa autoria, apresentado em julho passado e já em tramitação.
Se o presidente da República, entretanto, tivesse optado pelo veto, poderia adotar, logo em seguida, uma das duas medidas, qualquer delas de resultados definitivos: apoiar projeto já apresentado sobre a matéria para aprová-lo rapidamente, o que resolveria, de uma vez por todas, a controvérsia, tanto mais que conta com o apoiamento do PSDB e do PFL, além da adesão dos partidos de esquerda.
Ou, diante da relevância e urgência em dar solução ao impasse, editar medida provisória. Sob esse aspecto, saliente-se que não se trata de medida provisória sobre matéria penal, mas sobre questão de competência, ou seja, de processo, de direito adjetivo e não substantivo.
Em qualquer hipótese, é importante uma decisão mais transparente, que caminhe no sentido da democratização das polícias militares, para que todos os cidadãos, que são iguais perante a lei, sejam julgados pela mesma Justiça. Em suma, de uma decisão que imponha, com a maior urgência, o que está escrito pelo presidente em seu Plano Nacional de Direitos Humanos.
Assim o esperam as comunidades nacional e internacional.

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