São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 1996
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O petróleo ainda pode ser nosso

ANTONIO SALGADO PERES FILHO

"É (...) a fabricação de uma nova utopia, parecida com o 'gorbatechvismo'. O ex-líder comunista reconhecia a falência da economia planificada, mas tinha medo da economia de mercado." Roberto Campos
O Congresso Nacional aprovou, no ano passado, emenda constitucional transferindo para a União o monopólio da pesquisa, exploração e refino de petróleo, até então nas mãos da Petrobrás.
Recentemente, o Poder Executivo enviou à Câmara dos Deputados um projeto de regulamentação dessa nova realidade.
O objetivo principal desse projeto é a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), cuja função será regular, contratar e fiscalizar as atividades econômicas relacionadas a esse monopólio da União.
O Congresso precisa, entretanto, examinar com muito cuidado o texto desse projeto de lei, pois nele se encontram alguns entraves que, se não forem removidos, decerto interferirão acentuadamente na decisão empresarial de investir, comprar e vender petróleo ou gás natural, afastando investidores privados que poderiam contribuir para acelerar o nosso desenvolvimento socioeconômico.
Comecemos pela autonomia da ANP. Como está no projeto, a agência e seus dirigentes dependerão diretamente do ministro de Minas e Energia.
Ora, todos sabemos que os ministros, apesar da alta importância dos cargos que ocupam, são como o amor de Vinícius, "eternos enquanto duram". Ademais, o cargo é político e "cedido" ao partido, não a eles. Em resumo, não dispõem de independência necessária à criação de políticas adequadas e de longo prazo -estas sim atrativas para os capitais privados.
É essencial que a ANP nasça autônoma e independente quanto às suas decisões; e que sua diretoria constitua um colegiado com mandato determinado, cujos membros sejam indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal.
Até para evitar ranços antigos, deverá ser totalmente desvinculada da Petrobrás e do atual Departamento Nacional de Combustíveis.
Quanto à sua composição, os membros da diretoria da ANP precisam ser pessoas com conhecimento sobre o assunto, representativas -ao menos neste início- tanto da área privada quanto da área pública.
E, no que tange à sua função de "planejamento das necessidades nacionais, elaborando o Plano Nacional de Refino e o de Abastecimento", ambos só devem ser indicativos, nunca obrigatórios, sob pena de termos tecnoburocratas dizendo a investidores o que fazer com o seu capital -receita certa para afugentar a maioria dos investidores.
Se alguém, dentro das posturas existentes, quiser instalar refinaria, depósito, ponto de transferência ou de embarque/desembarque, ainda que em concorrência com um vizinho, isso é problema dos investidores e não do governo. Este não deve estar protegendo o produtor, mas sim o consumidor, beneficiário final da competição entre empresas.
Também não convém que caiba à ANP conceder a "autorização para refinação, processamento, importação, exportação e transporte"; o texto deve ser corrigido, colocando-se "registro" no lugar de "autorização".
Tal como está, novamente aqui teremos o tecnoburocrata interferindo nas atividades econômicas de investimento, venda, compra, custo de produção e preço de venda, decidindo inclusive sobre a necessidade ou não de importação e exportação. Essas devem ser apenas reguladas pelo preço de mercado -se o preço interno estiver alto, a importação vai baixá-lo; se estiver baixo, a exportação o ajustará. A interferência do governo só é admissível nos casos em que se configure uma violência contra o regime de livre concorrência.
Além disso, se for mantida a proposta do governo, criar-se-á uma fonte perigosa de práticas inadequadas, como nos mostra a experiência histórica em geral: criação de dificuldades para a venda de facilidades.
Já a "declaração de utilidade pública para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa das áreas necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás, construção de refinarias, dutos e terminais", proposta no projeto, é uma violência ditatorial aberrante.
Esse artigo precisa ser eliminado, em respeito ao direito do cidadão de negociar livremente seu espaço com quem dele necessite para seus fins comerciais ou industriais.
Finalmente, deve também ser escoimado o artigo que se refere à "regulagem, autorização e fiscalização das atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis".
Na melhor das hipóteses, poder-se-ia considerar apenas o registro dessas atividades, no que se relaciona com a estocagem para fins estratégicos e militares e para se exigir das empresas o abastecimento de pontos a descoberto -o que, aliás, nunca ocorre em regime de preços livres.
Quanto ao Conselho Nacional de Política de Petróleo, sua existência é desnecessária com a criação da ANP. Se for efetivo e eficiente, vai tornar mais lenta e ineficiente a agência; se for decorativo, servirá como mais um cabide de empregos.
Vale, então, repetir: ao Congresso Nacional compete corrigir os erros existentes no projeto enviado pelo Poder Executivo, que, aparentemente, não teve o cuidado de ouvir o setor privado, consultando tão-somente a Petrobrás -a qual, como todos sabemos, não tem o menor interesse na transferência do monopólio das suas mãos para o Estado brasileiro.

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