São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 1996
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Irvine Welsh explica seu 'Trainspotting'

BEN THOMPSON

do "The Independent on Sunday" Num café "respeitável" de Edimburgo que um dos personagens de seu segundo livro, "The Acid House", afirma odiar, Irvine Welsh fala de "Kids":
"Aquela história toda de um teen seduzindo virgens soa falsa", observa cético. "Nessa idade você fica tão constrangido com essa coisa toda de sexo que só quer alguém que saiba como fazer."
O que ele acha do absurdo do cartaz que afirma que " 'Kids' faz 'Trainspotting' parecer um episódio de 'Blue Peter' nos anos 70"? Welsh sorri: "Nos Estados Unidos a Miramax está usando uma resenha do 'The New York Times', segundo a qual 'Trainspotting' faz 'Kids' parecer um episódio de 'Vila Sésamo' nos anos 60. Acho que a troca foi justa".
"É realmente estranho que eu tenha essa imagem pública meio mal-humorada. Eu nunca me enxerguei assim. Acho que muitas pessoas querem que eu seja como os personagens nos livros; elas querem esse tipo de congruência."
Na opinião dele, o que é que pessoas deturpadas como o demoníaco Begbie, de "Trainspotting", ou Roy Strang, de "Marabou Stork Nightmares", têm que possa fazer a congruência aparecer como opção sedutora?
"Tento criar personagens cheios de defeitos mas que possuam traços que os redimem, para que as pessoas possam dizer 'Não gosto daquele personagem mas consigo entender o que o tornou assim'. Mas o fato é que as pessoas parecem reagir mais calorosamente à violência extrema do que às circunstâncias que a mitigam.
"Acho realmente estranha essa coisa voyeurística. Você escreve uma coisa pra você mesmo e sabe exatamente o que ela quer dizer. Só mais tarde percebe que as pessoas vão reagir a ela de muitas maneiras, e que várias delas não são as que você teria escolhido."
É evidente que Welsh pensa muito sobre esse assunto. "Uma coisa que realmente me preocupa é que os teens bem jovens andam passando cópias de 'Trainspotting' de mão em mão, até na escola. Eles lêem o livro do mesmo jeito que antigamente os adolescentes liam os livros 'Skinhead', de Richard Allen, e não dá pra impedir que o façam porque eles farão qualquer coisa para irritar seus pais."
Welsh viveu em lugares diferentes e trabalhou em muitas coisas, desde ferry-botes até corretoras imobiliárias, passando pela prefeitura de sua cidade, Edimburgo.
Foi lá que começou a escrever ("Trainspotting" foi seu primeiro livro), inicialmente como reação aos horrores da explosão de Aids na capital escocesa.
Os retratos implacáveis que pinta do lado pior do comportamento humano já foram interpretados como falta de compromisso moral. Welsh explica.
"As pessoas aprendem que conseguem passar por determinadas situações se adotarem determinados comportamentos. Outras pessoas podem enxergar esses comportamentos como inadequados".
Welsh admite sentir alguma insatisfação por conta disso com o primeiro dos três contos de sua nova coleção. Dado seu título ("Ecstasy") e o "leitmotiv", narcótico de mentes abertas pela intervenção química, o livro poderia ser interpretado como uma tentativa descarada de faturar em cima de seu status de sumo sacerdote literário da cultura das drogas.
Desnecessário dizer que não é assim que Welsh encara a coisa: Se você não tem essas sensações e as induz por meios químicos, será que tem direito a elas?"
Seria isso um chamado a uma sociedade livre de drogas? "Eu gostaria realmente que não houvesse droga nenhuma -nem cigarro, nem álcool, nem Ecstasy, nem cannabis. Mas acho que o mundo em que vivemos torna muito difícil que isso aconteça."
Tradução de Clara Allain

Filme: Trainspotting
Produção: Inglaterra, 1996
Direção: Danny Boyle
Com: Ewen Bremner e Ewan McGregor
Quando: a partir de hoje nos cines Metrópole, Belas Artes e circuito.

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