São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No Japão, a crise bancária traz ruptura do modelo econômico

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Dizem que o Japão criou um modelo econômico próprio. E entre as suas características sempre teve destaque a associação entre indústrias e grupos financeiros, os "zaibatsu" até a derrota na Segunda Guerra, e os "keiretsu" no pós-guerra. Pois é essa aliança secular que está agora em crise.
O racha pode ser atribuído a pelo menos duas tendências estruturais da economia japonesa nos últimos anos: o aumento do investimento direto japonês no exterior e o acesso das empresas japonesas a mercados de capitais globais.
Durante décadas, a aliança entre o governo, as empresas e os bancos funcionou virtuosamente: a poupança doméstica era canalizada para setores prioritários e construiu-se um sistema onde interagiam Estado e mercado.
Crédito direto para setores escolhidos e redes interdependentes integrando horizontal e verticalmente a economia conferiam grande solidariedade ao sistema.
Quando as empresas passam a investir no exterior, quebram-se vários elos da rede. Com o iene cada vez mais forte a partir de 1985, os japoneses começam a transferir capitais para o exterior, em especial para as emergentes economias asiáticas. E quando buscam os recursos de que necessitam em mercados globais, reduzem sua dependência dos bancos locais. Mais elos internos são perdidos.
A forma da quebra do pacto manifestar-se foi o "boom" especulativo em terras. Internamente, a economia japonesa esgotava mais um ciclo de crescimento e investimento. Com a nova frente de expansão no exterior e um enorme superávit para reciclar, os japoneses "investiram" no ativo mais escasso do país montanhoso e superpopuloso: terras.
Durante algum tempo, a valorização fictícia criou a ilusão de que tudo ia bem. Quando a bolha arrebentou, as grandes empresas já estavam inseridas no ciclo produtivo e financeiro global, mas os bancos viam-se donos de um "mico" calculado pelos otimistas em torno de US$ 600 bilhões, numa economia que não cresce o suficiente. Entre as vítimas mais notórias estão as companhias hipotecárias, mas essa é apenas a ponta do iceberg.
Para evitar o pior, o governo japonês tem agido sobretudo em três frentes. Primeiro, passou a editar pacotes fiscais aumentando o gasto público com o objetivo de reanimar a atividade econômica, entrando no lugar do investimento privado declinante.
Segundo, reduziu os juros ao nível mais baixo possível (a taxa básica é hoje de 0,5% ao ano), com o objetivo de facilitar a rolagem de dívidas e reduzir o impacto da podridão dos ativos sobre os balanços de bancos e empresas. E procura coordenar-se com outros bancos centrais para estabilizar o iene.
Em terceiro lugar, o governo japonês faz o que pode para resistir às pressões externas, em especial dos Estados Unidos, para abrir mais o seu mercado, tanto nos setores industriais como no sistema financeiro. Ainda assim a abertura tem ocorrido, o que pode ao menos no curto prazo fragilizar ainda mais as instituições financeiras do país. A saída, como na Europa ou na América, são as fusões espetaculares. Na economia japonesa também está havendo uma "destruição criativa" de capital.

Texto Anterior: Também nos EUA, 'grande não quebra'
Próximo Texto: Europa tem 'overbanking'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.