São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Jeito de homem causa constrangimento

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O jeito de andar é de homem, o corpo, a voz. No telefone, todo mundo confunde. Socialmente, ninguém perdoa.
A Folha entrevistou quatro mulheres que, por razões biológicas ou culturais, são tomadas sistematicamente por homens.
As quatro têm mais de 18 anos e já sabem se defender, mas até aprender acumularam muitas lembranças desagradáveis.
"Tive de sair de casa porque meu pai ameaçou me matar", conta a cearense Maria José Silveira, 34. "Ele dizia que eu era um travesti e me rejeitava."
Maria José é o que os médicos chamam de "pseudo-hermafrodita" (um caso parecido com o da judoca Ednanci, que nasceu com os genitais de ambos os sexos).
No passado, quando tinha pêlos no rosto, ela foi banida de todo o convívio social. "Primeiro em casa, depois na rua e na cidade toda", lembra. "Vim para São Paulo achando que ia encontrar gente mais esclarecida e fiquei impressionada com a falta de informação." (leia texto ao lado)
Até encontrar um especialista que indicasse uma cirurgia plástica corretiva e tratasse dela, Maria José peregrinou por muitos consultórios médicos. "Foi difícil, mas encontrei pessoas fantásticas", diz. "Me sinto bem melhor hoje."
Modos de rapazinho
Mesmo casada e com uma filha, a geógrafa carioca Letícia Parente, 22, continua sendo confundida. Ela não sofre de nenhuma anomalia biológica. "Apenas tenho cara e modos de rapazinho", diz.
No colégio, Letícia se lembra de dois momentos. "Primeiro, com 12, 13 anos, conseguia mais namorados do que as outras meninas, porque os meninos queriam alguém parecido com eles", conta.
"Mais tarde, eles deixaram de me ver como mulher", diz. "Queriam as de bundinha arrebitada, tipo gatinha."
Em um terceiro momento, mais recente, Letícia resolveu capitalizar o lado masculino. "Transformei tudo em charme", diz. "Virei uma espécie de mulher forte."
A mulher forte só não assusta trombadinhas. "Outro dia eu estava parada no sinal e vi dois molequinhos resolvendo se iam me assaltar", lembra.
"Eles diziam: 'Se for homem a gente não assalta, se for mulher, assalta'." Acabaram decidindo que ela era mulher e a assaltaram.
Atacante
Com a jogadora de futebol Telma Musser, 19, as confusões surgiram também porque andava com os meninos. "Gosto de jogar bola e todo mundo comenta."
Telma diz que isso já incomodou mais. "Imagina uma mulher jogando bola há 11 anos?", diz.
Ela, pessoalmente, resolveu que não se importa mais com a opinião dos outros. "Faço o que eu gosto e não dou muita satisfação para ninguém", explica.
Essa é também a conduta da lésbica assumida Regina Gonçalves, 28. "Até uma certa idade a gente sofre", diz. "Depois, se for inteligente, escolhe viver bem."
Regina diz que era um "menino perfeito". "Quando tinha 13 anos ainda não usava a parte de cima do biquíni", lembra. "Me sentia mais à vontade daquele jeito."
Ela diz que a adolescência foi ruim, mas hoje acha graça de tudo. "Quando peço pizza pelo telefone, eles sempre dizem 'um momento, por favor, SENHOR'."

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