São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Boa vontade de Zedillo não livra México de corrupção

JORGE CASTAÑEDA

O México, que passou por grandes dificuldades nos últimos dois anos, está vivendo uma sensação nova. Nos últimos meses uma avalanche de revelações sobre grandes casos de corrupção, a maioria dos quais desconhecida do público, vem abalando a opinião pública e as elites do país e ao mesmo tempo reafirmando o cinismo nacional, já profundamente enraizado.
Só nas últimas três semanas foram descobertos e reportados fatos referentes ao presidente atual e seu antecessor, o proprietário de um dos maiores bancos e conglomerados industriais mexicanos, o chefe da segunda maior rede nacional de televisão e o fundador da maior empresa mundial de "tortillas" (pão mexicano de milho, chato e redondo).
E ainda não começaram as investigações em uma das áreas mais obscuras da última administração: os milhares de quilômetros de rodovias privatizadas ou recém-construídas. Muita coisa ainda falta para ser descoberta nas investigações em curso, mas os escândalos vindos à tona recentemente já permitem que se tirem algumas conclusões iniciais.
A primeira delas é que certamente já se sabia muito mais sobre a magnitude da corrupção sob a administração Carlos Salinas de Gortari do que o público imaginava ou do que a maioria das partes interessadas admite hoje. Se, em um único pagamento impróprio -e possivelmente ilegal- feito no início da administração Salinas a empresa estatal de alimentos Conasupo transferiu US$ 6 milhões à gigante da farinha de milho Masesca, obedecendo instruções do ex-ministro do Comércio Jaime Serra Puche; se Raúl Salinas, irmão do presidente, recebeu US$ 50 milhões de uma empresa de telefonia celular e US$ 15 milhões de Adrian Sada, presidente do conglomerado de vidros Vitro e do banco Serfín, o terceiro maior banco mexicano; se o mesmo Raúl Salinas emprestou US$ 30 milhões a Ricardo Salinas (que não é seu parente) dias antes de arrematar a rede estatal de televisão, e se um dos dois principais âncoras dos noticiários nacionais era sócio de Raúl em uma empresa fabricante de ônibus beneficiada com vários contratos lucrativos com o governo -se tudo isso é verdade, fica difícil imaginar que ninguém do governo tivesse conhecimento desses fatos.
Dificilmente tantos altos funcionários do governo poderiam ter ignorado completamente o que acontecia. É possível que não tenham sido cúmplices ativos; em muitos casos é certo que não obtiveram benefícios pessoais diretos ou imediatos das "estripulias" cometidas pela primeira família e outras. Mas com toda certeza sabiam que alguma coisa estava errada no México.
Do lado positivo, o México foi amplamente elogiado por ter levado a cabo o mais rápido e bem-sucedido programa de privatização de estatais no mundo. Do lado negativo havia o fato de que a corrupção, o tráfico de influências e de informações privilegiadas, a lavagem de dinheiro e o descrédito eram todos inevitáveis.
Era apenas uma questão de tempo. A sociedade mexicana será obrigada a reconhecer e aceitar as consequências do envolvimento tão amplo e a desmoralização dos anos Salinas, mas já não bastará atribuir todo o ônus da culpa ao irmão ovelha negra.
E a simples aplicação da lei tampouco vai garantir que explosões semelhantes de corrupção não venham a repetir-se no futuro. A tragédia por trás do ultraje dos irmãos Salinas reside parcialmente no fato de que muitos dos abusos cometidos não violaram a lei. A legislação mexicana não cobre muitas das formas mais sofisticadas de corrupção que vieram à tona durante a última administração. Boa parte do que Raúl Salinas fez pode muito bem ter se mantido dentro dos limites da lei, mesmo que tenha sido antiético. Nas palavras de um ditado mexicano: "Não os acusamos de serem estúpidos, mas de serem desonestos".
Infelizmente, as boas intenções do presidente Zedillo com relação à revisão geral dos mecanismos de fiscalização e vigilância mexicanos não deram em nada. Ele se recusa a convocar seu antecessor para um interrogatório sobre o que sabia e quando o soube.
O México precisa avançar para além dos escândalos de corrupção. Mas, antes de fazê-lo, o país precisa saber exatamente o que aconteceu, independentemente da legalidade de cada caso. A situação não é tão diferente da que prevaleceu no Cone Sul após o fim das ditaduras dos anos 70 e início dos anos 80. As violações dos direitos humanos precisavam ser investigadas a fundo; a sociedade precisava saber o que tinha acontecido.

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