São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Nova York é a luz no fim do túnel

GILBERTO DIMENSTEIN
URINAR NAS RUAS VIROU ATIVIDADE PERIGOSA EM NOVA YORK.

Antes que possa fechar o zíper, o indivíduo corre o risco de se ver cercado de policiais e acabar numa delegacia.
Por trás da perseguição ao inofensivo xixi noturno, Nova York desenvolve uma ousada e, até aqui, bem-sucedida experiência na guerra contra a violência -ao combater pequenas transgressões, a cidade transmitiria mensagem de ordem, reduziria a sensação de impunidade, inibindo crimes sérios.
"Fomos ridicularizados quando adotamos essa tática e hoje viramos modelo mundial", diz a esta coluna William Bratton, ex-chefe de polícia, responsável pelo plano que reduziu pela metade o número de assassinatos em Nova York.
O governo saiu caçando grafiteiros, bêbados inconvenientes, motoqueiros sem capacete e mendigos agressivos, num sinal de que a cidade não estava abandonada -e, ao mesmo tempo, despejou mais policiais andando a pé, dando-lhes visibilidade.
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Mais famoso policial do mundo, Bratton se mostra convencido de que Nova York se transformou num laboratório contra crime, aplicável, segundo ele, a São Paulo ou ao Rio de Janeiro -ele está ajudando, por exemplo, a reformar a polícia da África do Sul, onde a violência urbana se assemelha à brasileira.
Instigante é que, em Nova York, a criminalidade despencou, mas aumentou a pobreza.
A principal explicação é o aumento do policiamento preventivo. "A função primeira da polícia não é perseguir criminoso, mas evitar o crime", afirma Bratton.
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Antes da queda da criminalidade, o nova-iorquino tinha a mesma sensação do paulistano ou carioca -a de que a guerra contra a violência estava perdida, de que o cidadão teria de se conformar em viver com medo.
A idéia dominante era de que enquanto não se resolvesse a pobreza, má distribuição de renda, desemprego, a polícia faria um trabalho tão útil como enxugar gelo.
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Estou convencido de que Nova York seja a luz no fim do túnel. Existem abusos policiais, devidamente punidos, mas, no geral, a cidade está ensinando como se consegue inibir a delinquência com direitos humanos.
É uma notável mensagem aos brasileiros que, no fundo, aceitam arbitrariedades e até assassinatos de esquadrões da morte.
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Desconfio de que a idéia de que miséria produza inexoravelmente violência seja apenas um preconceito contra pobre.
No começo deste ano, andei por favelas da Índia para acompanhar projetos de educação e saúde pública -ali, me senti muito mais seguro do que quando caminho nas esquinas do Harlem, encravado em Manhattan.
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Nem vou longe. Os paulistanos de classe média e alta são, em sua imensa maioria, filhos, netos ou bisnetos de imigrantes pobres, que viveram na miséria ou indigência.
Nem por isso, a maioria deles entrou para a criminalidade. Muito pelo contrário, sempre se enfatizou discurso a favor da importância do trabalho e educação como instrumentos de prosperidade.
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A violência prospera quando as comunidades se degradam, a família deixa de ser centro de referência, a impunidade vira regra, e, então, a pobreza e marginalidade empurram o jovem para a delinquência.
O toque final da catástrofe é a polícia sumir das ruas ou, pior, virar parte da bandidagem.

Bratton diz que a polícia, para ser eficiente, deve ser respeitada pelo cidadão honesto e temida pelos delinquentes. Não é nosso caso.
Vale a pena ver pesquisa publicada hoje na Folha sobre quais profissões o paulistano não gostaria de ter. Primeiro, lixeiro, depois policial e, em seguida, coveiro.
Nova York mostra que, ao ser respeitada, a polícia ganha apoio da comunidade, fator essencial na luta contra a violência.
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Um dos bons investimentos que o Brasil faria contra a violência é mandar para Nova York educadores para aprender como as escolas desenvolvem projetos contra a violência -quem tiver interesse, mando por Internet alguns desses endereços e os contatos.
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Boa notícia para o Brasil. A Universidade de Columbia tem o mais renomado programa de aperfeiçoamento de militantes de direitos humanos.
Jovens do Terceiro Mundo recebem uma bolsa e mergulham num curso quatro meses em Nova York. Estudam com alguns dos mais importantes professores americanos de direitos humanos, além de conhecer os responsáveis por organismos governamentais e não-governamentais.
Graças a algumas fundações -entre elas o Instituto Ayrton Senna- esse curso vai ser aplicado no Brasil, num convênio com o Núcleo de Estudos da Violência, da USP, e o Centro de Direitos Humanos de Columbia.
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PS - Na minha última expedição às discotecas, descobri "Bang!zoom", de Bobby McFerrin, da gravadora "Blue Note". A primeira faixa, que dá nome ao disco, é de tirar o fôlego; tive a estranha sensação como se Caetano Veloso e Milton Nascimento se misturassem numa única voz.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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