São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1996
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Peça tem sutileza do cinema chinês

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Dong Gong, Xi Gong", ou Palácio Oeste, Palácio Leste, segundo o programa, tem a extrema delicadeza do novo cinema chinês, que é origem do diretor e co-roteirista Zhang Yuan.
Também o mesmo antagonismo, o mesmo contraste entre o indivíduo e a ambiência, no caso, entre a homossexualidade e o amor de um escritor e a opressão de um policial, ou do regime.
"Quanta tirania, quanta alegria", como diz o escritor A Lan a certa altura, expressando mais abertamente uma ironia que vaza pelo espetáculo inteiro, que contrasta o prazer e a dor; por vezes, com referência explícita ao sadomasoquismo.
Mas não se trata de mais um espetáculo no gênero tragédia sexual com detalhes de crueldade, conhecido de tantas peças.
Com a sutileza peculiar ao novo cinema chinês, Palácio Oeste, Palácio Leste (uma referência aos dois banheiros públicos que servem de ponto de encontro de homossexuais, perto da Cidade Proibida) não toma partido, nada defende, escolhendo levar a tragédia individual ao seu limite.
No caso, consignada com a leitura, pelo policial, de uma fábula sobre uma ladra violentada e escravizada por seu guardião -e que, ao ver-se diante da morte, presa, "amou seu próprio algoz".
Não necessariamente pelo prazer da dor, mas porque aquele era o seu último instante de vida, e não havia outra reação a não ser amor, por si mesma, por sua própria vida.
A fábula é a síntese, o âmago do espetáculo, que casa marginalidade e repressão.
Também é o que torna "Dong Gong, Xi Gong" um espetáculo que atinge diretamente qualquer público; ou melhor, identifica qualquer público diretamente com seus personagens.
Para tanto, não falta auto-ironia na peça. Assim, quanto à ladra, seu amor pelo guardião termina, não em morte, mas em filhos e decaimento físico.
É a ironia, que se apresenta também na modalidade do humor popular, com piadas grosseiras e palavrões, como na história de uma namorada do escritor chamada "ônibus" porque "transava" com todos, ou assim a viam.
Por outro lado, em seu interminável jogo de contrastes, "Dong Gong, Xi Gong" opõe teatro de influência ocidental, aquele em que se passa quase todo o espetáculo, com o canto da Ópera de Pequim, cantado não por homens, mas por mulheres.
Em uma cena em especial, aquela em que o policial tortura o escritor, as cantoras surgem em primeiro plano, em contraste que permite ricas interpretações.
Não começa mal, ao contrário do que prometia, o afrancesado festival de artes cênicas.

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