São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Valadão vira galã gentil em biografia

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ator brasileiro que participou de 106 filmes e que até hoje é considerado maldito, Jece Valadão, colocou sua vida à limpo em "Memórias de um Cafajeste", que está lançando na Bienal Internacional do Livro.
Valadão reúne em seu currículo produção de cinema, locução em rádio, além de ter sido jurado do programa do Chacrinha e machão de carteirinha.
"Memórias de um Cafajeste" é um livro-depoimento de Valadão, 66, que hoje é evangélico.
Sem se prender à cronologia dos fatos, o livro é mais do que uma biografia de Jece Valadão. Traz uma série de histórias de bastidores com personagens ilustres do mundo artístico: Glauber Rocha, Norma Bengell, Nelson Rodrigues, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos e até Burt Lancaster e John Wayne.
*
Folha - Para você hoje o que é ser cafajeste?
Valadão - Eu não me consentiria mais ser cafajeste. Me arrependo de tudo o que eu fiz. Não renego, não, porque eu fazia consciente. Fazia aquilo tudo achando que era o rei da cocada preta.
Folha - Você excluiu do livro algum fato da sua vida?
Valadão - Não. Apenas excluí nomes. Seria indelicadeza contar a história de uma mulher e colocar o nome dela. Os nomes que pude colocar, coloquei. Por exemplo, a história da Norma Benguell (leia trecho).
Folha - Sua história se confunde com a história do cinema no Brasil. Você acha que é reconhecido?
Valadão - Não. Mas isso é do Brasil. Aqui rapidamente você "já era". Tem que se conformar.
Folha - Qual o filme da sua vida?
Valadão - "Mineirinho, Vivo ou Morto" e "A Lei do Cão". Mineirinho era o Robin Hood do asfalto. Era um cara que assaltava um caminhão de leite e levava para a favela, para distribuir para as crianças. Era um cara humano que foi traído por um amigo. "A Lei do Cão" é outro filme que eu gosto muito. Independentemente do "Boca de Ouro" e "Navalha na Carne", que são indiscutíveis.
Folha - Ao mesmo tempo que você esteve ao lado de artistas, você conseguia driblar a censura.
Valadão - É, eu fazia coisas incríveis. Nelson Rodrigues no cinema era um negócio proibido. A peça dele estava proibida e eu fiz e exibi filme com texto dele.
Folha - A rixa entre o Cinema Novo e a chanchada não vem dessa época?
Valadão - Sim. Tanto que o Cinema Novo me usava muito politicamente. Intelectualmente eles me alienavam. Mas, para resolver problemas políticos, eles me usavam. Até acho normal que fizessem isso. O Cinema Novo era muito comunista e eu nunca fui comunista. Mas era uma contradição total que eu tivesse a admiração de Nelson Pereira dos Santos, que era um homem do Cinema Novo e comunista, e do Glauber Rocha.
Folha - Qual a sensação de relembrar sua vida?
Valadão - Eu me assustei. Pensei: "Será possível que fiz tudo isso mesmo?". Você vai vivendo e acumulando tudo no fundo do baú. Rememorando, eu me emocionei em determinados momentos e, em outros, fiquei com medo.
Folha - De quê?
Valadão - Pensei que algumas pessoas estariam ressentidas comigo ainda.
Folha - Você acha que fez mais amigos ou inimigos?
Valadão - Mais amigos, apesar das canalhices que pratiquei.

Livro: Memórias de um cafajeste
Autor: Jece Valadão
Preço: R$ 20
Páginas: 208

Texto Anterior: Coelho traz Deus remoto
Próximo Texto: TRECHOS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.