São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
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Quando (até) a classe média desinveste

ALOYSIO BIONDI

Há duas semanas, o governo FHC deu mais um de seus "golpes de mestre", na arte de encobrir a real situação da economia brasileira -com a ajuda de formadores de opinião.
O Banco Central convocou a imprensa e divulgou uma informação que ganhou manchetes: no primeiro semestre do ano, os saques nas cadernetas de poupança superaram os depósitos em R$ 4,5 bilhões. Em compensação, disse o BC aos jornalistas, as aplicações em fundos de renda fixa cresceram violentamente no período. Vale dizer: habilmente, o BC vendeu a idéia de que os brasileiros estavam abandonando as cadernetas, por causa de sua baixa rentabilidade, preferindo outros tipos de investimento. Nenhum problema, portanto.
Com a explicação, o governo FHC procurou bombardear, antecipadamente, as interpretações de que a população pobre está enfrentando dificuldades, e sacando sua poupança. Pior: o BC repetiu também a hipótese de que os saques foram para o consumo, sobretudo compra de TVs e outros eletroeletrônicos.
O episódio retrata o meticuloso maquiavelismo do governo:
Dados escolhidos - O BC dividiu as cadernetas por grupos (ou faixas) com base no valor dos saldos. O primeiro se referia a cadernetas "até R$ 500" de saldo, das quais cerca de 3 milhões teria perdido R$ 3 bilhões.
Aqui, a primeira esperteza manipuladora. Tradicionalmente, o BC sempre considerou, como primeiro grupo, as cadernetas de valor muito mais baixo: R$ 100 de saldo. Por que agora adotou o padrão de "até R$ 500"? Se mantivesse o critério antigo, os números mostrariam facilmente que os donos dessas cadernetas, os pobres, estão raspando os cofres.
O desastre - Outros dados do Banco Central mostram que o quadro aterrador para as cadernetas de poupança e seus donos vem desde 1995, conforme este colunista apontou em meados de maio ("Sherlock Holmes e o Paraíso dos Pobres").
No ano passado, houve uma queda de 10 milhões no número total de cadernetas: de 90 para 80 milhões. Isso, o número total. Para as cadernetas até R$ 100, a tragédia maior: de 55,5 milhões para 42 milhões, ou nada menos de 12,5 milhões de cadernetas fechadas. Dados do BC.
Hipocrisia - Esses saques podem ter sido para "consumir", comprar TVs? Só rindo. Ou chorando. No final de 1995, as 42 milhões de cadernetas sobreviventes representavam a miséria miserável de R$ 1,0 bilhão. Saldo médio: R$ 23,20 (vinte e três reais e vinte centavos). Não dá para uma "farra consumista".
A classe média?
Há outros lances, igualmente graves, na estratégia enganadora montada pelo Banco Central do governo FHC. Todo o seu maquiavelismo ficou claro dois dias depois da divulgação da queda nas cadernetas. Aí, o BC anunciou os dados sobre o valor de cada tipo de investimento, as aplicações no mercado financeiro, em julho: fundos de renda fixa, CDBs, commodities etc. O BC repetiu a "análise" de que os fundos estavam crescendo, compensando o recuo da poupança.
A imprensa, com a "cabeça feita" pelas "revelações" de dois dias antes, não duvidou. Engoliu a isca. As manchetes repetiram a versão oficial. Era o que o governo queria desde o início. Como? O BC não fez a soma, não forneceu o valor de todas as aplicações (somadas)? para permitir compará-lo com o mês de junho.
Quem fez a soma, como este colunista, descobriu um dado preocupante: no saldo final, houve queda de 1,5% a 2,0% nos investimentos, em julho. Não é apenas o pobre que está sacando sua poupança. A classe média também está sendo forçada a desinvestir. Para o futuro da economia, o fenômeno é inquietante. A equipe FHC/BNDES encobre a realidade. E amplia a crise.

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