São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ser cristão em tempos de violência

PAULO EVARISTO ARNS

Vemos o corpo dilacerado de jovens aniquilados pela onda de violência atual. Crimes brutais banalizam e ceifam vidas e sonhos. Jovens inocentes e crianças são assassinadas. Esses graves pecados bradam aos céus e clamam por justiça. Tirar tantos jovens da cruz é parte essencial de nossa missão cristã.
Preservar a própria vida nas cidades e, particularmente, nas periferias de nosso país é quase um privilégio. Os direitos humanos são aviltados na prática e pelas ondas das emissoras de rádio.
Alguns relatórios apontam quatro jovens assassinados por dia no Brasil.
São Paulo e outras capitais vivem com medo e inseguras. A disseminação do crack e da cocaína, em plena luz do dia, não recebe punição e parece, em muitos casos, acobertar grupos de um poder paralelo.
Denúncias se multiplicam por agentes sociais, advogados, religiosos, e as respostas não acontecem.
Alguns profissionais irresponsáveis procuram divulgar o ódio pelas ondas do rádio e chegam a propor a pena de morte como solução. As famílias e a população sofrem e buscam respostas efetivas. Quais são elas?
A mais urgente seria um policiamento preventivo, bem treinado e articulado em cada bairro e cidade, com participação ativa de juízes, assistentes sociais, policiais bem pagos e da própria população. Com uma polícia fraca e mal aparelhada, brota a corrupção e cresce a impunidade.
Em segundo lugar, necessitamos de uma ação enérgica do Estado e do Judiciário no controle do narcotráfico, no julgamento dos crimes e no castigo adequado para cortar pela raiz a expansão destes que são os geradores de toda a violência atual, a droga e o crime organizado.
Se o crack não parar de ser comercializado abertamente, viveremos como em campos de concentração, uns com medo dos outros. A criação imediata de um amplo programa de combate ao narcotráfico e ao crime organizado faria índices alarmantes serem derrubados.
A impunidade dos traficantes e a lentidão da Justiça geram o aumento da criminalidade urbana.
Em terceiro lugar, precisamos oferecer à juventude empobrecida e aos milhões de desempregados de nossa cidade uma possibilidade real de rendimentos para vencer o vendaval neoliberal do desemprego. Sem justiça social e emprego para tanta gente que perambula pela rua da miséria, não há futuro para o Brasil.
É essencial atacar as causas estruturais para vencer o pecado que tanto machuca nosso povo. Queremos mudanças claras e não arrebatamentos passageiros. Decisão do povo, firmeza do Judiciário e persistência da sociedade civil, quando somadas, geram nova vida. Alternativas existem e inúmeras comunidades cristãs têm trabalhado arduamente, mesmo sem qualquer apoio governamental, para oferecer cursos profissionalizantes, oficinas em mutirão e produção alternativa de bens e serviços. Lugar de crianças e jovens é na escola e não nas ruas.
Enfim, uma medida de grande eficácia política seria o controle efetivo da posse e da venda de armas. O Congresso Nacional precisa aprovar, com urgência, projeto que criminalize o porte, tráfico ou depósito ilegal de armas. Fontes fidedignas afirmam que se vendem mais de 600 mil armas ilegais. Não se pode viver com tamanho potencial mortífero!
Nossa cidade não está destinada ao caos, como prenunciam os profetas da desgraça. Se os cidadãos se unirem em favor da vida, do trabalho e da solidariedade, a esperança reaparecerá com novo vigor. Os que propõem violência e morte são aliados dos criminosos e reforçam o crime e o medo.
Não admitimos que a resposta para os atos de violência seja outra violência. A espiral da violência nos leva à barbárie, como tantas vezes afirmamos.
Unamo-nos em favor da vida, dos direitos humanos e da juventude contra toda violência. Não podemos adiar para amanhã o que o dia de hoje nos reclama. Comecemos hoje, atacando a raiz do mal e vencendo, pela firmeza permanente, a violência urbana. Precisamos abalar as consciências de todas as pessoas retas e amantes da justiça para formarmos uma corrente cidadã em favor da paz.
Façamos nosso o ideal de são Francisco de Assis: "Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!".
A esperança enfrenta os desafios.

D. Paulo Evaristo Arns, 74, é cardeal arcebispo de São Paulo e grão-chanceler da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Texto Anterior: Apelo ao Congresso Nacional
Próximo Texto: A OEA e os desafios contemporâneos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.