São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 1996
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Sagitário: sorte no amor, cuidado nos negócios

FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA

O que é um guru? Por que se tornaram tão influentes? A partir de quando vieram para o Ocidente? Como se expandiu aqui essa especialidade e que necessidades mais profundas ela atende?
Sempre me fiz muitas perguntas sobre o tema. Fui à Índia, visitei o ashram de Rajneesh, cheguei ao extremo de ler as confissões de seu ex-guarda-costas, Hugh Milne, ("Bhagwan, The God that Failed", Sphere Books). Mas ainda assim mantive o tema em aberto.
Encontrei um livro, "The Guru Papers", de Joel Kramer e Diana Alstad, que prometia me responder a todas as perguntas. Os autores afirmam que guru para eles é metáfora para alguém que manipula os outros, sob o pretexto de que sabe o que é o melhor, podendo ser um líder ou mesmo a própria mãe.
A tese central é a de que as pessoas vivem numa grande zona de incerteza e estão, de certa maneira, inseguras de sua capacidade, daí a disposição para se render a um guru que pode explorá-las espiritual, material e sexualmente.
Apesar de conter inúmeros ensaios curtos, o livro de Kramer e Alstad não consegue avançar além da descrição dos vínculos guru-fiel.
Segundo eles, é fundamental desmascarar o caráter autoritário dessa relação, porque o planeta está em perigo e precisa de pessoas independentes e atentas para salvá-lo.
Fico pensando se essa visão, quase tão ingênua como a que se empregava na análise da lavagem cerebral dos comunistas, consegue dar conta da complexidade do mundo religioso e entender, por exemplo, um tipo como o guru Jim Jones.
Por sinal, ele aparece no livro com algumas de suas frases: "Eu era o mestre do sexo revolucionário, transava até 15 vezes por dia, mas agora o que quero mesmo é o orgasmo do túmulo".
Não se pode contestar a tese do livro: o autoritarismo não serve de paradigma para novas e transformadoras relações. Mas alcançá-lo de alguma maneira, realizar o que pretendem, isto é desmascarar estruturas autoritárias nas próprias pessoas, é preciso um trabalho bem mais analítico.
Como o de Theodor W. Adorno, em "The Stars Down to Earth", um ensaio publicado, recentemente, pela Routledge. Ele se dedicou a um estudo de astrologia, lendo sistematicamente a coluna do "Los Angeles Times", por Carrol Righter.
Para começar, Adorno distingue claramente astrologia do ocultismo e a considera uma espécie de superstição secundária. Mas se joga com tanto entusiasmo na análise que, ao contrário dos jovens autores da Califórnia, consegue descobrir coisas novas e arriscar a própria cabeça quando afirma que os adeptos da astrologia a utilizam como um substituto para o prazer sexual de natureza passiva.
Na opinião dele, submeter-se a um poder desse tipo é na verdade render-se à imagem do pai, despersonalizado na astrologia.
Essas afirmações de Adorno, sem uma clara trajetória de raciocínio, aparentemente comprometem o ensaio. Mas há nele momentos de sutileza, quando distingue a astrologia da religião, mostrando que, nesta última, a fonte da irracionalidade mantém-se distante, é tratada de forma impessoal, como uma coisa.
O interessante é que Adorno sabe muito bem distinguir a permanente combinação do racional e irracional no processo, mostrando que a conjunção dos astros está fora do alcance da pessoa, mas os conselhos são de bom senso, tendendo ao conformismo social.
Nesse processo, reconhece que a astrologia favorece a extroversão, estimula atitudes, convida ao exercício da liberdade. Mas dentro de um limite: uma determinada organização dos astros sobre a qual nada se pode fazer.
"A astrologia se afasta do cru e impopular fatalismo, estabelecendo forças que atuam fora do indivíduo, deixando a decisão final para ele."
O trabalho de análise de Adorno compreende o período de novembro de 1952 a fevereiro de 1953. O exame específico da coluna de Righter e a comparação com outras publicações psicológicas permitiram que tentasse esboçar também a tática do próprio astrólogo:
"Ele não pode desapontar seus leitores recusando a se comprometer, mas também não pode arriscar sua autoridade, da qual dependam as vendas, em afirmações falsas. Ele tem de encarar a quadratura do círculo. Precisa definir bem o que acontece com cada pessoa nascida em determinado signo, mas precisa ser distante o suficiente para que caia no descrédito."
Expressando sua já legendária antipatia pelo jazz, Adorno compara esse gênero musical à novela do tipo que vemos na TV e à astrologia, afirmando que a técnica consiste em criar e sair de dificuldades.
No jazz, a dificuldade seria o "jam", na novela, as complicações do personagem a serem resolvidas nos próximos capítulos e, na astrologia, males que podem ser atenuados, desde que sigamos os conselhos.
Ele não examina, em momento algum, a possibilidade de os adeptos da astrologia tomarem a configuração dos astros como um enigma do inconsciente e a usarem para resolver alguns problemas, deixando-a de lado quando sentirem que, em outra situação, aquilo não os ajuda mais.
Adorno não vê na astrologia uma psicanálise mais acessível e fragmentada, mesmo porque acha que os conselhos reforçam as resistências psicológicas, ao invés de dissipá-las.
A psicanálise parte de uma busca racional, mas sofreu, como todos os projetos do século 20, um pouco do desgaste da própria razão. A todos segundo seu trabalho e depois segundo sua necessidade, como queriam os socialistas, ou, onde é o id será ego, como queriam alguns psicanalistas, agora, são bandeiras no mínimo sob suspeita.
PS: Na última coluna saiu errado o nome do autor de "The Future of the Capitalism", Lester C. Thurow.

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